Os hospitais e centros de saúde vão receber instruções para comunicar todos os casos de violência contra profissionais de saúde ao Ministério Público e o Governo quer que o fenómeno passe a integrar a lista de crimes de prevenção e investigação prioritária, que nos últimos anos incluiu além de crimes de tráfico, branqueamento de capitais ou violência doméstica, também a criminalidade em ambiente escolar ou os fenómenos de violência associados ao desporto.
São algumas das medidas previstas no Plano para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde, apresentado esta semana em traços gerais pelo Ministério da Saúde depois de o final de 2019 e início deste ano terem ficado marcado por uma sucessão de agressões violentas no SNS e pelas críticas de médicos e enfermeiros ao Governo por falta de respostas para um fenómeno que denunciam ser crescente e fruto também da falta de capacidade de resposta do sistema de saúde.
O documento será colocado em discussão pública em fevereiro, adiantou a tutela na apresentação do plano – que terá uma vertente de prevenção, com formação dos profissionais e sensibilização da população, bem com de reforço dos circuitos de segurança nas unidades – mas também de melhoria do apoio às vítimas. O secretário de Estado da Saúde, António Sales, admitiu ao jornal i que não existe um balanço de quantos casos foram comunicados ao MP nos últimos anos, mas a expectativa é que passe a ser a atuação «predominante». Garantiu também que as instituições terão apoio jurídico nesta área.
Além de o objetivo de garantir que os casos chegam à Justiça e são apreciados de forma mais célere, o Governo anunciou que será criado um serviço de atendimento no Centro de Contacto SNS24 para aconselhamento, orientação e apoio aos profissionais de saúde, que começará a funcionar já em fevereiro.
«Cultura de não violência»
No ano passado, até setembro, foram reportados à Direção-Geral da Saúde 995 casos de violência na Saúde, um número recorde e que supera o ano anterior mesmo faltando contabilizar os últimos três meses do ano. São quase quatro casos por dia, a maioria insultos e agressões verbais, mas também violência física e ameaças. O médico André Biscaia, que tem estudado o fenómeno e foi agora nomeado coordenador do novo plano, sublinhou na apresentação que o objetivo é criar uma cultura de não violência na Saúde. «Aquilo que vai fazer diferença é só o que acontecer a nível local. O plano terá de ser adaptado às instituições, não discriminatório e humanizado», disse, reiterando também que o apoio às vítimas tem de ser imediato, sob pena de os efeitos se agravarem.
No início da apresentação, a ministra da Saúde considerou a violência um problema de saúde pública e fator de «extrema preocupação» para o sistema de Saúde. Questionada sobre se a falta de recursos no SNS tem potenciado estes casos, Marta Temido sublinhou que nada justifica uma agressão. «Esta é a mudança cultural que temos de fazer. Todos temos momentos de frustração e vulnerabilidade, mas não reagimos com violência».
Esta semana, antes da apresentação do plano, a Ordem dos Médicos convocou o Fórum Médico, que junta estruturas representantes dos profissionais. No final da reunião, os médicos responsabilizaram a ministra pela sucessão de casos e anunciaram que vão pedir reuniões urgentes, incluindo ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. O Fórum recomendou também aos médicos que «não aceitem e que denunciem situações de falta de segurança clínica e física às hierarquias competentes e ao bastonário».