Algarve. Destino para ‘barquinhos’ marroquinos

Chegaram à barra da Culatra vindos da mesma cidade que o grupo de dezembro. Portugal está já a reagir ao risco de uma nova rota de imigração.

Um havia chegado por engano com  oito marroquinos a bordo em dezembro, outro foi localizado esta semana com 11 migrantes, provenientes do mesmo país (e da mesma cidade), próximo da entrada da barra da Culatra. O cenário de o Algarve transformar-se numa nova rota colocou as autoridades em alerta, uma tese que para a Amnistia Internacional – Portugal está longe de poder ser confirmada. «É especular muito», afirma o diretor executivo da organização, Pedro A. Neto.  

Era já próximo das 4h30 de quarta-feira quando a Polícia Marítima de Olhão recebeu a informação de que um pequeno barco a motor, com letras árabes, se aproximava da costa. Nesse mesmo instante foi ativada uma emabrcação de alta velocidade que viria a encontrar no meio da escuridão o barco de madeira. Lá dentro estava um grupo de homens, com idades entre os 20 e os 30 anos. A descrição do cenário foi feita pela própria Polícia Marítima: «A bordo seguiam 11 tripulantes, três dos quais necessitaram de receber cuidados médicos, um deles com ligeiro traumatismo no joelho e dois com dores abdominais, tendo sido assistidos e posteriormente encaminhados para uma unidade hospitalar pelo INEM, acompanhados por agentes da Polícia Marítima».

O grupo tinha ligações aos primeiros migrantes, tendo, ao contrário daqueles que pretendiam ir para o sul de Espanha, iniciado já a viagem com o objetivo de desembarcar no Algarve. Disseram aos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que fizeram os cerca de 400 quilómetros no barco de madeira e sem ajuda de qualquer outra embarcação.
Tinham passado poucas horas desde a chegada do novo barco quando foi tornado público que para o SEF o pedido de asilo formulado pelos oito marroquinos que chegaram em dezembro tinha sido indeferido com a fundamentação de que fugiram do seu país apenas para viver melhor, não sendo alvo de perseguição política, religiosa ou etnica.

E se a perspetiva política chegara a ser a de enquadrar o primeiro grupo de migrantes como refugiados – com a diretora do SEF a abrir a porta, em dezembro, à aceitação de tal pedido com base em razões económicas – o perigo de o Algarve poder passar a ser uma nova rota da imigração ilegal fez com que as autoridades desaconselhassem tal caminho.

«Podemos estar perante uma rota direcionada para Portugal, há uma primeira abordagem recentemente, há cerca de um mês, e há agora uma segunda.Naturalmente que o modus operandi é o mesmo, nós estamos muito perto da costa marroquina e Portugal não deixará de ser um país desejado para a portagem», explicou à SIC Acácio Pereira, presidente do Sindicato de Carreira e Fiscalização do SEF.

Apesar de terem visto recusado o pedido de proteção internacional, os oito cidadão marroquinos, provenientes da cidade de El Jadida, poderão ainda recorrer para os tribunais portugueses e enquanto isso permanecer em território nacional.

Quanto ao grupo que chegou esta semana, o SEF anunciou que Portugal deu início ao processo de análise do pedido de proteção internacional.

Dizer que Algarve passará a ser rota é uma especulação

Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional – Portugal, considera que estes dois casos só por si não significam que o Algarve passe a ser uma rota ou que o número de casos venha a aumentar. «Quero acreditar que o nosso Governo e o nosso país está preparado para estes casos, porque já os recebe por via aérea em maior número e portanto é especular muito que dois barquinhos – e uso o diminutivo de propósito – com pouquinhas pessoas sejam usados para criar narrativas sobre uma nova rota. Não faz qualquer sentido, chegou um barco com 11 pessoas e há tempos um outro com oito pessoas».

Em declarações ao jornal i, o diretor executivo da Amnistia Internacional – Portugal lembrou ainda que «a realidade de Marrocos não tem nada a ver com as realidades da Líbia, da Síria, da Eritreia ou do Iraque», esclarecendo que é destes países que vem o maior número de pessoas para a Europa: «Estes países vivem em situação de pobreza extrema ou de conflito armado. Não são casos comparáveis a Marrocos, qualquer comparação é criar um alarme». 

Governo está atento

O ministro da Administração interna, Eduardo Cabrita, disse esta semana que «é prematuro» falar numa nova rota de imigração por mar para o Algarve e anunciou estar «em diálogo com autoridades espanholas e marroquinas». «Conto aliás estabelecer, nas próximas semanas, um encontro direto com o meu homólogo marroquino sobre vários temas, entre os quais este», disse aos jornalistas. 

O governante explicou ainda que o pedido de proteção feito pelos primeiros migrantes «não faz nenhum sentido», lembrando que Marrocos é «um país amigo» e que não foram apresentados fundamentos adequados pelos requerentes.

UE não está preparada

Esta semana, Michael Spindelegger, diretor-geral do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Política Migratória, alertou para a necessidade de preparação de acolhimento dos migrantes que chegam à União Europeia e para a incapacidade dos países de trânsito para lidar com esta realidade. 

«Se não começarem a resolver o problema nos países de trânsito, terão uma emergência nos seus países e não conseguirão lidar com isso. Irá acontecer o mesmo que em 2015 e 2016», referiu Spindeller a propósito da apresentação das perspetivas para o próximo ano no que diz respeito às migrações. 

De acordo com as análises feitas, a chegada de migrantes vindos da Líbia ou do Irão pode aumentar de forma significativa nos próximos tempos – isto se as condições nestes dois países continuarem a piorar. 

Os dados do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias revelam que, no ano passado, Espanha foi o país da União Europeia que recebeu mais pedidos de asilo. E, além disso, venezuelanos e colombianos foram duas das nacionalidades que mais pedidos de asilo requereram. «Isto é, de facto, uma questão singular que não observámos nos últimos anos», disse Michael Spindeller. 

A propósito do aumento de migrantes que chegam à União Europeia e da forma como alguns países lidam com a chegada de migrantes, esta terça-feira, cerca de 60 migrantes forçaram a entrada na Hungria a partir da Sérvia. As autoridades húngaras dispararam tiros para o ar, o conselheiro do primeiro-ministro Viktor Orbán disse que os migrantes eram «um grupo de homens organizados e agressivos» e os migrantes acusam agora a polícia do uso de força excessiva.