Também desta vez, o rei vai nu

O ‘affaire  Isabel dos Santos’  é o icebergue, e revela na perspetiva nacional o grau de debilidade da economia portugues.

Contra toda a normalidade, mas totalmente de acordo com as expectativas mais informadas, o debate orçamental praticamente saiu da agenda política nacional.

Terá contribuído para essa situação, a ausência de incerteza quanto ao resultado final da votação na AR, assegurado pela ‘carripana’ que, já neste ciclo, substituiu a defunta ‘geringonça’, mas sobretudo a forma como se desenrolou a discussão parlamentar, transformada num leilão de propostas cruzadas e absurdas que se anulam mutuamente e que são apresentadas apenas para fazer prova de vida.

Resta o ‘irritante’ da eventual baixa do IVA sobre a energia, que poderá ser aprovado se se verificar uma conjugação de votos a que alguns, antidemocraticamente, chamam uma coligação negativa (?), mas mesmo este pequeno suspense acabará por ser ultrapassado por uma engenharia política ‘à la carte’, a que não faltarão, na medida do necessário, os partidos da dita esquerda parlamentar.

Podem assim descansar os preocupados por sistema e pessimistas por devoção, porque ainda não será por causa do Orçamento de Estado de 2020 que se abrirá uma crise política, além do mais porque tal criaria, também, um problema adicional ao Sr, Presidente da República que ‘decretou’ (com legitimidade discutível) que esse diploma devia ser aprovado pelas esquerdas.

O desinteresse geral pelo destino final do Orçamento, excluindo as análises técnicas e prospetivas a que os jornalistas especialistas na matéria e as empresas de consultadoria e planeamento fiscal, estão, ritualmente, obrigados a fazer, foi acentuado com o verdadeiro tsunami que desabou sobre a sociedade portuguesa designado como Luanda Leeks.

A torrente informativa, sobre o assunto, foi de tal ordem e intensidade que se torna difícil encontrar uma perspetiva original para abordar a questão.

«Ao longo dos anos o mais importante, em Portugal, foi saber se Isabel dos Santos tinha dinheiro, ninguém queria saber de onde ele vinha», escreveu alguém na sua crónica sobre a matéria e este juízo é, verdadeiramente, o que importa reter como principal conclusão a retirar do acontecimento.

Mas, não estando em causa esta postura, pois a ética das empresas e instituições ainda está subordinada a um certo realismo político e só se autonomiza perante ilegalidades e ilícitos relevantes para a justiça, é importante que, face a essa conclusão, se aprecie serenamente a situação e se comecem a definir medidas para limitar os seus efeitos negativos e os seus custos reputacionais futuros.

Não é o momento de rasgar as vestes, em modo de exorcismo, e muito menos de fazer contas e balanços sobre quem contribuiu, desde há mais de 25 anos a esta parte, para esta situação. Todos os que tiveram poder e poder de decisão foram cúmplices mas, se calhar, fizeram só o que podia e devia ser feito.

Afinal, como nota o António Barreto na sua análise semanal, o poder negocial entre Portugal e Angola tem sido, pelo menos até agora, verdadeiramente assimétrico e sempre a favor do país africano.

A competitividade e o desenvolvimento da estrutura produtiva portuguesa têm dificuldade em impor-se em mercados mais exigentes e, por isso, a solução angolana surgiu, muitas vezes, como a verdadeira salvação de alguns problemas nacionais. Tudo isto ajuda a compreender algumas passividades, a não resistência a comportamentos humilhantes, enfim alguns irritantes, que foram caracterizando as relações económicas, políticas, sociais e de colaboração judicial (?) entre os dois países.

O ‘affaire Isabel dos Santos’, independentemente da sua importância global e das consequências nefastas em situações concretas (nomeadamente no Banco Eurobic e na empresa Efacec), é apenas a ponta do icebergue e, revela, na perspetiva nacional, o grau de debilidade da economia portuguesa.

Quem sempre vê o copo meio cheio dirá que nos últimos anos progredimos no sentido do equilíbrio orçamental nominal, tivemos taxas de crescimento positivo e reduzimos substancialmente o desemprego; quem se preocupa com análises mais rigorosas, não minimiza o elevado nível da dívida pública, não esquece a ajuda externa à contenção dos juros (a taxa média do stock da dívida baixou entre 2011 e 2019 de 4,1 para 2,5 por cento), não ignora que o emprego se baseia em salários baixos e contratos precários e o crescimento económico é reiteradamente inferior ao que se verifica na quase totalidade dos países com os quais competimos nos mercados externos.

Uma estratégia de médio prazo, suscetível de eliminar as fraquezas atuais, aproveitando os fluxos financeiros provenientes da UE, que felizmente se irão manter no nível atual, é algo que ainda não se identifica nem se pressente, nem no Governo, nem na oposição.

As verdadeiras consequências do ‘super irritante’ Luanda Leeks acabam, deste modo, por ser, infelizmente, a inequívoca constatação de que, por enquanto, o rei continua nu.