De Chicão a Chiquinho

Ao ouvir Francisco Rodrigues dos Santos no Congresso do CDS, que ganhou, fiquei com boa impressão dele. ‘Tem pinta’ – pensei. Não tinha vergonha de se afirmar ‘de direita’ e sabia arrancar aplausos da sala – elevando a voz, encadeando frases sonoras e aumentando progressivamente a velocidade do discurso até pôr os congressistas de pé.…

Ao ouvir Francisco Rodrigues dos Santos no Congresso do CDS, que ganhou, fiquei com boa impressão dele.
‘Tem pinta’ – pensei.
Não tinha vergonha de se afirmar ‘de direita’ e sabia arrancar aplausos da sala – elevando a voz, encadeando frases sonoras e aumentando progressivamente a velocidade do discurso até pôr os congressistas de pé.
Além disso, era jovem e parecia ter uma saudável irreverência.
Representava claramente um corte com o passado recente, no qual o CDS parecia ter vergonha de assumir as ideias de direita – afinal, a sua razão de ser.

Foi assim com alguma curiosidade que assisti à entrevista do novo líder centrista no programa Grande Entrevista.
Mas à medida que o programa avançava, a minha desilusão crescia.
Na primeira parte da entrevista, limitou-se a dizer clichés com abundante recurso a trocadilhos do género ‘confundir a estrada da Beira com a beira da estrada’ (não era esta a frase, mas o ‘truque’ era sempre este: inverter as palavras de uma expressão, para obter um significado diferente). 
Quanto a ideias novas, nada.
‘O rapaz não tem grande substância’, pensei. 
Mas teria coragem.

Veio a segunda parte da entrevista, e Vítor Gonçalves resolveu apertá-lo com questões ‘fraturantes’.
«O que pensa do aborto? É contra o aborto?».
E aqui o Chicão começou a transformar-se em Chiquinho.
Engasgou-se, disse que assumia a posição do partido (sem dizer qual era), balbuciou «Sim, ó Vítor, bem vê, eu…».
O entrevistador, implacável (um pouco à revelia do seu estilo, em geral afável), insistiu: «Mas defende a prisão das mulheres que fazem aborto?».
Chicão, cada vez mais aflito, defendia-se: «É preciso separar as coisas. Bem vê… Nenhuma mulher foi presa…».
E finalmente anunciou que o CDS não iria pedir a reversão da lei.

«E o que pensa do casamento entre homossexuais? É contra?» – voltou a interpelar o jornalista, com ar inquisitorial.
Se ali houvesse um buraco, o entrevistado tinha-se enfiado por ele abaixo.
Voltou a balbuciar: «Bom, eu defendo a família, mas cada um deve ter liberdade para fazer o que achar melhor…».
«Mas os homossexuais não podem constituir famílias?», estranhava o jornalista.
«Bom, há várias formas de família…», reconhecia Francisco, já totalmente no papel de Chiquinho.
E penosamente lá terminou a entrevista com respostas a um ‘questionário de Proust’.

Nesta parte, disse que a sua maior qualidade é não ter medo de dizer o que pensa.
Ora, na entrevista, acabara de mostrar exatamente o contrário: um terrível medo de dizer o que pensava.
Pior: medo do jornalista que estava na sua frente, medo de lhe dizer olhos nos olhos coisas ‘inconvenientes’.
Antes, tinha também afirmado que um dos problemas do CDS fora fazer política com medo de perder votos em vez de mostrar coragem para os ganhar.
Ora, na entrevista, acabara de revelar exatamente o mesmo defeito, quiçá agravado: pavor de dizer qualquer coisa que lhe fizesse perder votos, falta de coragem para fazer afirmações que lhe pudessem trazer votos. 

Nesta mesma noite, houve um debate noutro canal entre André Ventura e Ricardo Sá Fernandes, do Livre, sobre aquela frase provocatória em que Ventura ‘despachava’ Joacine Moreira para ‘o seu país’. 
Ora, em lugar de se defender, o deputado do Chega partiu ao ataque.
Pôs a tónica na recusa de devolver bens museológicos aos países de origem, considerando que Joacine, sendo eleita pelos portugueses, devia defender os interesses destes e não de outros.
E quando Sá Fernandes disse que a posição ‘patriótica’ é discutir o assunto, Ventura respondeu com uma pergunta: «Patriotismo é querer devolver património nacional?».
Sá Fernandes ficou calado.

Independentemente do que se pense de Ventura – e eu penso que é um demagogo – ficou clara a diferença entre ele e Francisco Rodrigues.
Um joga ao ataque para ganhar votos, o outro joga à defesa com medo de os perder.
Onde já se viu um partido de direita aceitar o aborto e concordar com o casamento gay?
Onde já se viu alguém que se diz do movimento Pró-Vida aceitar o aborto, e um católico admitir que uma família pode resultar do casamento entre dois homens ou duas mulheres? 
Chiquinho não aprendeu bem a lição.
Um líder de direita hoje só pode ter sucesso se enfrentar o ‘politicamente correto’, mesmo dizendo algumas barbaridades. 

Num mundo tão confuso, em que muitos conservadores já se ‘conformaram’ com algumas ideias absurdas e receiam contrariá-las, em que as próprias evidências são postas em causa, para as vozes discordantes se fazerem ouvir é preciso de vez em quando romperem todas as ‘conveniências’ e dizerem enormidades.
Basta olhar para líderes de direita que ganharam recentemente eleições em grandes países: Trump, Bolsonaro e Boris Johnson. 
Alguém diz mais barbaridades do que Trump ou Bolsonaro, e mais inconveniências do que Johnson?
Mas isso faz parte do jogo para se fazerem ouvir.
Em Portugal, a luta do CDS é hoje com André Ventura
Ora, num debate com Ventura, Chiquinho seria completamente esmagado.