Interlúdio cinéfilo, nada inocente

O que o filme transmite é  sobretudo a sua intuição espantosa da emergência desse monstro, da natureza nova, singular, da besta…

O filme sobre Winston Churchill ainda nos cinemas, A Hora Mais Negra, é também um filme sobre um monstro – Adolf Hitler. Monstro numa dimensão de bestialidade e loucura, de que Churchill se apercebeu primeiro do que todos, como ninguém mais.

O que o filme transmite, com a história verdadeira e as excelentes interpretações, é sobretudo essa sua intuição espantosa da emergência desse monstro, da natureza nova, singular, da besta; da novidade dessa aberração, desse sumo mal que era imperativo travar. 

Mesmo que o combate estivesse antecipadamente perdido, mesmo que se soubesse que se morreria a enfrentar o mal, não era possível deixar de o fazer. Foi isto mesmo que Churchill disse no Parlamento, contra tudo e todos; contra os que estavam cegos na posição, até aparentemente mais sensata, de negociar. E assim levou o Parlamento inglês, a Inglaterra, a Europa, os EUA, o mundo às costas para esse combate… moral. Salvando a humanidade de um futuro de horror então inimaginável. Ou só por ele imaginado.

Numa das últimas cenas do filme, à saída do debate triunfante na Câmara dos Comuns, o seu assessor refere a mudança de posição (que faz vibrar o espectador…) também do Rei. E Churchill faz um comentário que só por si valeria o filme: «Os que nunca mudaram de ideias nunca mudaram nada no mundo». Confúcio disse o mesmo, de outro modo, no século IV a.C.: «Só não mudam os burros e o homem mais inteligente do mundo».

E que dizermos, então, do elogio muito frequente entre nós da coerência em si mesma? Da coerência mesmo no erro e no trágico? Do elogio da coerência de Cunhal, por exemplo, cantado até por tão boa gente de direita?