O grande Macaulay

Existem em muitas casas portuguesas uns volumes fininhos, de formato A4, que estiveram bastante em voga em finais da década de 70 do século passado e início da década seguinte. Creio que no nosso país foram publicados ao todo cinco títulos dessa série. Mas depois desapareceram de circulação e hoje, apesar do merecido sucesso na…

Existem em muitas casas portuguesas uns volumes fininhos, de formato A4, que estiveram bastante em voga em finais da década de 70 do século passado e início da década seguinte. Creio que no nosso país foram publicados ao todo cinco títulos dessa série. Mas depois desapareceram de circulação e hoje, apesar do merecido sucesso na altura, são difíceis de encontrar – por isso começa a haver quem os colecione e valorize.

O autor destas cinco obras – e não uso aqui a palavra ‘obras’ de forma inocente – é o grande ilustrador David Macaulay. Nascido há 73 anos em Burton-on-Trent, Inglaterra, aos dez anos mudou-se com os pais para os Estados Unidos. A viagem foi feita no vapor S.S. United States, que logo no seu batismo, em 1952, arrebatou o recorde da mais rápida travessia marítima do Atlântico, que ainda hoje detém.

Macaulay licenciou-se em Arquitetura mas nunca exerceu. Ainda assim, foi graças aos conhecimentos adquiridos no curso que pôde fazer o seu primeiro livro, A Catedral, no qual explica as várias fases do processo de construção de uma catedral fictícia numa cidade medieval francesa, desde a primeira pedra até à festa da consagração. O livro tornou-se tão popular que Macaulay decidiu fazer outros na mesma linha. Seguiram-se 
A Cidade, A Pirâmide, O Castelo e A Cidade Subterrânea.

O primeiro destes quatro – que tem como subtítulo ‘Planificação e Construção de Uma Cidade Romana’ – é particularmente fascinante para qualquer pessoa interessada naquele período da história.

Tudo começava com a escolha do lugar e com o ritual de exame das vísceras de um coelho e de um faisão por parte de um sacerdote, para determinar se a zona era salubre. Seguiam-se as medições e a conceção do projeto por um conjunto de engenheiros. Depois chegava um batalhão de trabalhadores, qual exército bem treinado, que montava o acampamento e punha mãos à obra.

Os desenhos a caneta de traço fino do autor são de uma clareza meridiana, mostrando passo a passo como eram construídas as ruas, o aqueduto, as muralhas, as casas, as termas, o templo. O rigor e o espírito analítico de Macaulay combinam na perfeição com o caráter metódico dos romanos. «A última área pública a ser integralmente desenvolvida foi o centro de diversões da cidade», explica o autor, referindo-se à zona onde ficava o anfiteatro e o teatro. Sobre o primeiro, continua: «No pavimento da arena construíram-se tanques profundos, que podiam encher-se para neles se representarem batalhas navais. […] Nas passagens interiores, além das latrinas e duma venda de comidas e bebidas, havia rampas e escadarias que permitiam que todos os 20 mil espectadores pudessem entrar no anfiteatro, ou sair dele, em menos de dez minutos. Os animais selvagens e o equipamento a utilizar nos espectáculos ficavam guardados em instalações localizadas por baixo dos assentos de nível inferior do anfiteatro e que comunicavam directamente com a arena».

Macaulay conseguiu a proeza de levantar uma cidade romana inteira só com papel e a sua caneta. E ainda colocou pessoas a viver nas suas casas, patrícios a banharem-se nas águas das suas termas, escultores a trabalharem na sua oficina, espectadores sentados nas bancadas. Digam lá se não é obra?