Angola. A Semana 
de todas
 as decisões

PJ não quer deixar nada por investigar no caso da morte do gestor de contas de Isabel dos Santos e pediu exames suplementares para afastar qualquer hipótese de homicídio. Entretanto, lei de amnistia de José Eduardo dos Santos pode ser um travão à cooperação entre os dois países.

O cenário que a Polícia Judiciária encontrou na garagem do Restelo onde Nuno Ribeiro da Cunha foi encontrado sem vida  por um primo, após ter saído de casa para ir dar uma volta, não deixa margem para dúvidas: o diretor do private banking do EuroBic, gestor de conta de Isabel dos Santos, ter-se-á enforcado, sem a ação de terceiros. Os inspetores e os peritos verificaram ao pormenor todos os cantos e sinais – desde o nó da forca, ao local onde estavam as chaves, passando pela forma como estavam arrumadas as coisas e o estado do corpo. Todos estes detalhes eram importantes para perceber se se tratava de um crime de homicídio ou se fora o próprio a pôr fim à vida.E, apesar de tudo indicar que não houve qualquer luta ou resistência no espaço, o resultado da autópsia e de exames complementares realizados serão fundamentais para que haja uma confirmação da convicção da PJ. Isto, porque além de se perceber se o corpo tinha ou não sinais de luta (que neste caso não se verificou) era preciso também despistar se estava sob o efeito de drogas ou de álcool.

Mas a Polícia Judiciária não quer deixar nenhuma ponta solta e, por isso, também está já a fazer um levantamento junto dos familiares mais próximos para perceber se o quadro que encontrou – tanto na primeira tentativa de suicídio a 7 de janeiro como mais tarde quando o corpo foi localizado sem vida – é compatível com o alegado estado depressivo da vítima. Com isto, e à semelhança do que acontece em casos do género, as autoridades pretendem afastar a hipótese de que a montante do suicídio pudessem estar outros crimes, como intimidações ou incitamentos. Ao que o SOL apurou, até agora todos os depoimentos de familiares e amigos recolhidos pelos investigadores apontam para que o gestor se encontrava psicologicamente muito afetado com o que se estava a passar em Angola, vendo amigos próximos a cair e sabendo que a sua vez acabaria por chegar. Até agora também não terá sido encontrada qualquer ameaça.

Não se pode ignorar que Nuno Ribeiro da Cunha, 45 anos – um amante de automóveis, que tinha aquela garagem para guardar alguns dos seus carros vintage –, era um dos homens que carregavam mais informações sobre as contas de Isabel dos Santos – foi este gestor que, por exemplo, autorizou uma das transferência de mais de 38 milhões de dólares de uma conta da Sonangol no EuroBic, no dia seguinte à exoneração de Isabel dos Santos da petrolífera estatal, para uma conta de uma offshore detida e gerida por pessoas da sua confiança (outras duas transferências foram feitas nesse dia para o mesmo destino, perfazendo perto de 58 milhões de dólares).
O diretor do private banking do EuroBic foi encontrado morto na noite de quarta-feira. Quando as equipas da polícia e do INEM chegaram ao local, ainda foram feitas manobras de reanimação, mas sem sucesso. Ainda que nenhuma linha de investigação seja descartada, na quinta-feira, o diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, deixou claro que tudo indica que não tenha havido intervenção de terceiros na morte do gestor.

A viagem relâmpago do PGR

Mas a semana ficou também marcada pela viagem relâmpago do procurador-geral da República de Angola, Helder Pitta Grós, a Lisboa. «Vim pedir ajuda de muita coisa», afirmou aos jornalistas assim que aterrou na Portela.
Horas mais tarde entrou na Procuradoria-Geral da República para a reunião anunciada na véspera com a homóloga portuguesa, numa altura em que o caso Luanda Leaks tem destaque nos jornais de todo o mundo e que a justiça de Luanda já constituiu Isabel dos Santos e vários portugueses – incluindo Nuno Ribeiro da Cunha – arguidos num processo em que se investiga má gestão e o desvio de recursos da petrolífera estatal.

Consigo, Hélder Pitta Grós terá trazido um pedido de cooperação internacional que, no limite, poderá significar o arresto de bens que a empresária angolana tem em território nacional, e a garantia, dada horas antes pelo primeiro-ministro português, de que Lisboa e Luanda têm um «total alinhamento de pontos de vista sobre» o assunto.

À saída da reunião nem uma palavra, mas foram várias as entrevistas que viria a dar, afirmando que a Justiça angolana quer que Isabel dos Santos dê explicações (com a garantia de que não será detida se decidir ir a Luanda)  e deixando alguns recados à tese da empresária de que Luanda está uma cidade violenta. «A violência existe em todas as cidades. Luanda poderá ter uma certa violência porque o dinheiro que foi subtraído poderia ter sido utilizado para a construção de escolas, de hospitais, de centros de formação, mas não serviu para isso. Serviu para o enriquecimento fora de Luanda. É natural que essa juventude privada de formação enverede pela criminalidade», disse à SIC.

Lisboa: arresto impossível?

Mas o pedido de arresto de bens de Isabel dos Santos feito a Portugal não é assim tão simples, acreditam alguns juristas. Como Angola criou uma lei da amnistia, decretada pelo anterior Presidente, pai de Isabel dos Santos, em 2016 que definia que os angolanos viam as penas até 12 anos todas amnistiadas – se se tiver em conta que os crimes praticados pressupõem uma pena até esse limite, isso significa que Isabel dos Santos não terá de responder por alegados crimes praticados até 2016. Quanto aos restantes, como a má gestão na Sonangol, não beneficiará de qualquer amnistia, mas há quem questione se Portugal poderá arrestar bens ou ações que estão legais (devido à amnistia) por conta de crimes posteriores. A lei da amnistia foi criada exatamente quando a Justiça portuguesa começou a apertar em alguns casos que tinham intervenção de angolanos e agora pode acabar por prejudicar os interesses da PGR angolana, uma vez que a maioria das participações de Isabel dos Santos nos negócios que tem em Portugal serão quase todas  anteriores a 2016. O que significa que se o capital que veio para Portugal para comprar essas participações é proveniente de desvios de dinheiro desviado do Estado angolano o mesmo acabou amnistiado e já não é ilegal. «A Justiça portuguesa não pode funcionar como um cobrador de Angola», diz uma fonte judicial ao SOL.