Coronavírus: o mundo não acaba mas abranda

A zona euro está particularmente exposta ao primeiro canal de contágio dadas as exportações para a China representarem uma fatia de cerca de 1,2% do PIB euro

O coronavírus tomou de assalto os noticiários e mercados mundiais nas últimas semanas. Julgo não ser descabido em termos probabilísticos assumir que um vírus com taxa de mortalidade a rondar os 2% e com aumento de infetados a abrandar represente o fim do mundo que alguma histeria própria dos nossos tempos parece apontar. Não descurando o impacto humano – especialmente concentrado no segmento mais idoso à semelhança da gripe anual – o impacto mais abrangente acabará por ser ao nível da disrupção temporária na economia chinesa que nos últimos anos tem contribuído com cerca de um quinto do crescimento mundial, uma fatia considerável. Para tentarmos algum tipo de estimativa de impacto, o paralelo mais próximo é o surto de SARS de 2003.

Em 2003, o SARS durou cerca de seis meses a ser dado como controlado pela Organização Mundial de Saúde e é um paralelo interessante por ser da mesma família viral e ter originado numa área geográfica semelhante. Nesse período, a economia chinesa contribuía (apenas) com cerca de 5% do crescimento mundial, tinha uma economia substancialmente menos endividada e uma demografia mais jovem. Nesse contexto a redução verificada de quase 2% no crescimento chinês não provocou por si só grandes ondas de choque no resto do mundo. Porém, se bem que nestes dezassete anos a capacidade de resposta médica sem dúvida que evoluiu, o novo coronavírus já infetou mais que o SARS e o contexto atual antevê que o impacto para a economia global seja superior. As quarentenas de metrópoles inteiras e o receio generalizado que tem mantido populações em casa significará uma clara quebra em termos de consumo chinês. No ocidente, as ondas de choque irão sentir-se por via dum abrandamento de exportações para a China e diminuição temporária do turismo oriundo deste país. A zona euro está particularmente exposta ao primeiro canal de contágio dadas as exportações para a China representarem uma fatia de cerca de 1,2% do PIB euro, um valor relevante especialmente no contexto atual de crescimento lento em torno dos 1%.

Teremos portanto uma inevitável desaceleração na economia chinesa pelo menos no primeiro trimestre deste ano e uma recuperação nos seguintes assumindo que o ritmo de infeções continua o abrandamento verificado na última semana. Mesmo neste cenário moderadamente otimista, o efeito de contágio económico irá pesar na paupérrima taxa de crescimento da zona euro e adiar a recuperação no nível de inflação pela qual o Banco Central Europeu luta desesperadamente. Assim sendo, será previsível continuarmos a viver numa economia infetada pelo dogma das taxas de juro negativas, o processo de normalização fica uma vez mais adiado.

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