Eleições: ganhas pela oposição ou perdidas pelo Governo?

Nas circunstâncias atuais, viveremos mais dois anos de ilusão de crescimento e progresso; mas na prática iremos conviver com um evidente retrocesso… 

O nível de abstenção nas últimas eleições legislativas devia constituir um alerta para os partidos, para as instituições políticas e para aqueles que são responsáveis pelo seu funcionamento.

Aparentemente, o choque dos mais de 51% dos eleitores portugueses que se afastaram voluntariamente da escolha dos seus representantes (no país, votaram em 2019 menos 288 027 pessoas do que em 2015) foi, infelizmente, rapidamente ultrapassado e esquecido.

Inebriados com o conceito de estabilidade, entendido como a incapacidade prática, a curto prazo, de derrubar o Governo, os políticos, na maioria e na oposição, mostram-se incapazes de reconhecer o ‘buraco negro’ que se vai instalando na credibilidade da democracia portuguesa.

É certo que, como na devida altura foi previsto neste espaço, o orçamento de estado foi aprovado com relativa facilidade, mas só porque, nesse desígnio final, estiveram, artificialmente comprometidos todos os principais protagonistas parlamentares.

Mas a forma como decorreu o debate e o teatro de sombras e hipocrisias que o definiu, demonstraram que a democracia portuguesa está frágil pois não existe um governo com um projeto nítido, claro e progressista, nem uma oposição (ou oposições) capaz de construir uma alternativa e se bater coerentemente por ela.

Nas circunstâncias atuais e com o atual estado da arte, viveremos mais dois anos de ilusão de crescimento e progresso, mas, na prática, iremos conviver com um evidente retrocesso face às necessidades reais da sociedade portuguesa.

É seguramente por ter consciência disso que a opinião pública, se fixa excessivamente nalguns dos acontecimentos de natureza circunstancial, conjuntural e personalizada, que, infelizmente, começam a invadir o nosso quotidiano.
O enorme protagonismo dos deputados únicos do Chega e do Livre, na comunicação social, só é possível porque há uma perceção crescente de que o atual regime partidário (e respetivos lideres) está incapaz de gerar discussões mais interessantes.

Por outro lado a estranha e suicida migração do principal partido da direita para o centro e para o centro esquerda, abre um espaço no espetro partidário português que, começará por ser motivo de análise e de reflexão da ‘intelectualidade política’ do país, onde pontificam as pitonisas dos tempos modernos e os especialistas do ‘tudismo’, mas que acabará, se não for corrigido, por potenciar o aparecimento de acontecimentos pouco saudáveis para a democracia.

A defesa do verdadeiro interesse nacional, que tantos mencionam e dizem prosseguir, só se concretizará, verdadeiramente, quando foram identificados projetos, desígnios, medidas e reformas, ou seja alternativas consequentes que permitam aos cidadãos escolher e, para isso… participar.

Ora, pelo que se tem visto nos últimos tempos, e se adivinha nos tempos mais próximos, este exercício de reflexão e propositura é, praticamente, impossível de alcançar, pois, para lá da ausência de vontade política, surgirão condicionantes internas e externas que o tornarão muito improvável.

No plano interno, o calendário eleitoral (autárquicas mas, sobretudo, eleição presidencial) será, até pelas efetivas restrições legais que impõe, a linha de defesa da oposição para não ousar em propostas alternativas demasiado evidentes e fraturantes; no plano externo a futura presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2021, servirá de argumento ao Governo, para esvaziar e controlar as iniciativas da oposição.

Em Portugal, Governos, Oposições e Comunicação Social, ‘decretaram’ que as eleições não se ganham, mas sim se perdem, (o que está muito longe de ser totalmente verdadeiro) e com isso condicionaram as opções, as táticas, os comportamentos e os timings dos principais quadros partidários.

Só assim se compreende que se registe, mas rapidamente se esqueça, o estranho comportamento de um Secretário de Estado a fugir, com medo, do debate com a população, se realce, mas de seguida se ignore, o desplante de uma ministra que considera uma desgraça global e planetária como uma oportunidade para a agricultura portuguesa, se assista, sem protesto, à pouca subtil migração de um ministro das Finanças para a governação da entidade de regulação a que ainda presta contas (o BP), ou se conviva com a degradação da autoridade da Procuradoria Geral da República, na sequência de uma decisão, no mínimo discutível e de um conflito aberto, por isso, com os magistrados do ministério público.

Sem alternativas visíveis e com uma política de casos, digna de um país de outro mundo, é natural que a cidadania se enfraqueça e o desinteresse aumente e que acabe por se tornar verdadeira, para enfraquecimento da democracia, a regra de que as eleições não são ganhas pela oposição, mas sim perdidas pelos governos.