António Ventinhas: ‘O que espero do novo parecer é uma coisa, aquilo de que gostaria é outra’

António Ventinhas assegura ao SOL que a suspensão da publicação da diretiva não significa a resolução do problema que foi criado e não se pronuncia sobre o silêncio do Governo. 

Na semana em que a PGR anunciou ter voltado atrás e suspendido a publicação em Diário da República da diretiva polémica que reforça o poder da hierarquia dentro do Ministério Público,  foi tornado público que o Sindicato dos Magistrados do MP não exclui o cenário de convocação de uma greve. Ao SOL, o presidente, António Ventinhas, lembra que o entendimento do Governo era outro há uns meses e que de lá para cá apenas mudou a PGR.

O que mudaria com a diretiva polémica se no caso Tancos, sem diretiva, já houve intervenção hierárquica?

Essa diretiva suscita a questão sobre se a intervenção em Tancos foi legal ou não. O que vem dizer, no fundo, é que toda a atuação que ocorreu no processo Tancos foi legal. 

É uma formalização, para que esta prática passe a regra no MP?

No nosso entendimento um superior hierárquico não  pode dar indicações diretas num inquérito para inquirir ou não inquirir determinadas testemunhas, constituir ou não arguida determinada pessoa ou mesmo para acusar ou arquivar. Não pode dar essas ordens. 

Além do caso Tancos tinha conhecimento de ter tais práticas terem acontecido já?

Admito que possam ter acontecido, mas na nossa perspetiva serão sempre casos ilegais. Há situações em que são dadas determinadas indicações, intervenções num processo, até de forma oral.

Pelo que diz há então o risco de politização, na medida em que quem nomeia um PGR passa a ter um poder indireto reforçado…

A partir do momento em que um procurador-geral pode intervir em processos, pode dar ordens num processo, e um diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal pode dar ordens num processo, ainda para mais, segundo a diretiva, de uma forma oculta, então o PGR ganha mais poder. Além de todas as questões de organizar internamente o Ministério Público, que é essencialmente o papel do PGR  (uniformização dos procedimentos e definição grande parte da organização), passa também a ter a possibilidade de interferir nos processos. Algo que pode abrir as portas às más interferências políticas, uma vez que o cargo de PGR é nomeado politicamente.

O presidente da República disse que a PGR deu um passo importante ao pedir um novo parecer sobre a diretiva. Como viu essa reação?

Compreendo que o senhor Presidente da República queira diminuir o clima de crispação que existe dentro do Ministério Público. Agora a situação não está resolvida, porque o pedido de suspensão foi apenas para pedir um parecer complementar contra uma das partes da diretiva, não é a reapreciação da diretiva, do seu conteúdo.

Neste caso, tendo em conta que a situação pode esbarrar numa intervenção política, entende o silêncio de alguns membros do Governo?

Não me vou pronunciar sobre o silêncio do Governo sobre a matéria. O que posso dizer é que o Governo, este mesmo Governo do PS, apresentou uma proposta de estatuto do MP, que foi aprovada na Assembleia da República no ano passado e entrou em vigor no dia 1 de janeiro – na altura, em negociações com o sindicato, a então PGR, Joana Marques Vidal, consagrou no estatuto do MP uma visão de autonomia interna dos magistrados que vai ao encontro da nossa posição. Houve consenso entre a PGR, o Governo e o sindicato quanto a esse conceito de autonomia.

De lá para cá, nessa equação que acabou de referir só mudou um elemento: a PGR. 

A única coisa que mudou foi a Procuradora-Geral da República…

… e então, com isso, o entendimento que  a Procuradoria passou a ter sobre a matéria.

Exato.

Os procuradores do caso Tancos que queriam chamar o primeiro-ministro e o Presidente da República e que não foram autorizados pelo diretor do DCIAP foram alvo de um processo. Esse processo já foi finalizado?

Não me posso pronunciar sobre processos. Esse processo, cuja existência é já do domínio público, tem natureza sigilosa, portanto não tenho conhecimento do andamento.

O que espera do parecer que foi pedido agora pela PGR?

O que espero é uma coisa, aquilo de que gostaria é outra…

Não coincide?

Não. Relativamente ao parecer tenho as minhas quase certezas sobre qual será o resultado, mas não vou dizer.

Para terminar, esta diretiva surge após o caso Tancos. É, na sua opinião, apenas uma coincidência?

A discussão de toda esta diretiva e todo este processo surge a propósito da questão pública suscitada nesse caso. A discussão começou inicialmente no Conselho Superior do Ministério Público a propósito do caso Tancos.