Relações entre Venezuela e Portugal agudizam-se

A suspensão dos voos da TAP é a face mais visível da crise e está a deixar a comunidade portuguesa apreensiva. Homem forte do chavismo pediu ontem respeito a Portugal. Marcelo repudiou a decisão de Maduro.

A Venezuela pediu ontem respeito a Portugal, através do presidente da Assembleia Constituinte, deixando cada vez mais claros os motivos que levaram à suspensão dos voos entre Lisboa e Caracas. “O respeito é o primeiro mecanismo. Esse é o primeiro mecanismo, o do respeito. E aqui há um Presidente que se chama Nicolás Maduro. Não há outro Presidente”, disse Diosdado Cabello, numa referência ao facto de o Governo português ter reconhecido em fevereiro do ano passado Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela.

Aquele que é considerado um dos homens mais fortes do chavismo desafiou ainda a TAP e o Executivo português a tentarem reverter esta suspensão de 90 dias junto de Guaidó, já que o país considera ser ele o Presidente. “Que a TAP lhe peça para reconsiderar a sanção, para ver quem é o Presidente da Venezuela. Porque, entre outras coisas, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal [Augusto Santos Silva] disse que transportavam um Presidente. Presidente de quê? De quê?”, questionou em tom irónico.

Diosdado Cabello diz mesmo que foram violadas as normas de segurança e questionou a postura imperialista de Portugal: “A menos que os que governam Portugal ainda sintam que são um império. Eles não chegaram a ter aqui no Brasil [o império português]? Talvez eles ainda acreditem que somos súbditos, que somos uma colónia e que podem, como império, dar ordens”.

“Dá tristeza, não pensem que é um dos melhores [aliados], com os quais temos relações. Grande parte do dinheiro roubado da Venezuela está nos bancos de Portugal”, acrescentou.

A reação surgiu no mesmo dia em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condenou a decisão de Caracas: “Na ótica do Governo, na ótica do Presidente da República e na ótica de Portugal, é totalmente inaceitável e incompreensível e, portanto, não pode deixar de ser repudiado”. Isto depois de na segunda-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros também ter admitido que as relações entre os dois países já viram melhores dias.

Portugueses na Venezuela não acreditam em Maduro Os portugueses que vivem na Venezuela acreditam que esta medida de Maduro mais não foi do que uma retaliação por um alegado apoio dado a Guaidó, que contrariou as expectativas e chegou a Caracas vindo de Lisboa, driblando uma receção dura. E, apesar das alternativas, há apreensão quanto ao futuro e quanto à ponte direta que ainda tinham entre os dois países.

“A comunidade portuguesa está na expectativa, muitos já tinham bilhetes comprados para viajar para Portugal. E hoje ainda não temos muitos pormenores. Posso dizer que a comunidade está apreensiva e à espera de um pronunciamento do Governo português”, explicou ontem ao i, David Alcaria, presidente de uma associação portuguesa de Maracay, capital do estado de Aragua.

“As alternativas são poucas. A Iberia continua a manter a rota, a AirEuropa foi comprada pela Iberia e continua a fazer Caracas-Madrid. A companhia turca também ainda faz voos para Caracas e há alternativas de companhias do Panamá e Colômbia, mas fazendo sempre escala”, continua, lembrando que já nem a Alitalia, nem a Lufthansa voam para a capital venezuelana.

David Alcaria acredita mesmo que, apesar da dificuldade em continuar a diplomacia com um líder de Governo quando se reconhece como Presidente interino um outro elemento, poderá ainda ser possível reverter a suspensão. Até porque a tese do Executivo de Maduro não convence portugueses nem venezuelanos: “Nem a comunidade portuguesa nem os venezuelanos acreditam nas acusações que foram feitas, o que foi feito tem muito a ver com o regresso de Guaidó via Lisboa”.

Uma posição idêntica à de Jorge Pereira, secretário Geral da Associação Luso-Venezuelana de Cooperação e Desenvolvimento, que considera que as repercussões serão sobretudo ao nível diplomático: “Vem reafirmar o ponto de vista desencontrado que existe entre o atual regime da Venezuela e o Governo português”.

“Isto foi um aviso, uma represália pelo facto de a TAP ter sido um elemento que perturbou o intuito de controlo dos movimentos do presidente Guaidó”, assegura Jorge Pereira, lembrando que Guaidó não foi direto dos EUA para a Venezuela, o que terá feito com que não tivesse uma receção tão dura à chegada.

Caracas ainda mais dependente da China e da Rússia Quanto à suspensão de voos, este responsável explica que existem alternativas, ainda que nenhuma com ligações diretas. Já sobre quem perde mais com tudo isto, Jorge Pereira não tem grandes dúvidas: “Penso que é o atual regime da Venezuela, porque Portugal teve esta atitude firme em relação ao presidente Guaidó, mas foi sempre muito flexível, percebia que não podia cortar com o atual regime até por precisar de chegar até à comunidade portuguesa”.

“Esta espécie de dualidade diplomática permitia esse acesso e ao Governo algum oxigénio em determinadas situações”, diz, acrescentando que a Venezuela fica ainda mais isolada e “mais dependente dos aliados tradicionais, que no fundo são a China e a Rússia”.

“Da experiência que tenho, é provável que após os três meses a suspensão seja levantada e não me surpreenderia que o prazo fosse encurtado como uma mostra de boa vontade”, conclui.

TAP vai transportar todos os passageiros com bilhete A TAP assegurou ontem que “cumprirá a legislação em vigor, transportando, através de outras companhias aéreas, os passageiros que regressariam a Caracas no voo” de ontem. Ao i, fonte oficial disse ainda que “a companhia está a avaliar soluções para os milhares de passageiros que tinham reservas nos voos seguintes”.

Atualmente a TAP assegurava dois voos semanais entre as capitais dos dois países, às terças e sábados – voos que estavam a ser operados pela euroAtlantic.