As nossas contradições

O amigo Júlio anda aperreado. O neto chegou ao 12.º ano a arrastar um longo calvário de passagens à tangente. Prevendo dificuldades no acesso à universidade, o avô pensou: ‘Isto só lá vai com incentivos. Nos testes, por cada nota superior a 14… dez euros; superior a 18… vinte euros; nas notas finais, prémios a…

O Júlio é o retrato do país. Queremos que as coisas funcionem? ‘Tomem lá incentivos!’ As coisas funcionam? ‘Sanguessugas! Querem é viver à custa dos contribuintes!’
Primeiro foi o crédito à habitação. Com o imobiliário de pantanas, o Governo avançou com o crédito bonificado e a isenção da sisa, e o país rejubilou: as famílias poderiam, enfim, libertar-se do jugo dos senhorios. Mas isso só foi verdade até chegar a crise; aí, choveram acusações a quem emprestou e a quem pediu emprestado: ‘Todos irresponsáveis!’ 

Depois, foram as privatizações. Faltava dinheiro nos cofres públicos, era preciso dinamizar as bolsas e o capitalismo popular, e a solução estava no crédito para os pequenos investidores. Foram essas as regras, aplaudidas por políticos e analistas; os mesmos que, anos depois, repudiaram a ‘economia de casino’ e zurziram os bancos que tinham aceitado as ações adquiridas como única garantia dos empréstimos.

O mesmo com o investimento estrangeiro. Os governos jogaram forte: missões ao estrangeiro, reduções de IRC e derrama, linhas de crédito, terrenos públicos e prémios pela criação de postos de trabalho. As empresas instalaram-se, começaram a produzir… e a ter lucros. ‘Têm lucros e não pagam impostos? Acabe-se já com a mama!’ 
Vieram também os chineses e os reformados europeus. Uns, à cata dos vistos Gold; os outros, aliciados pelas benesses fiscais. Trouxeram dinheiro, compraram casas e… ‘Alto, que vem aí a bolha imobiliária. Mudem-se as regras!’

Agora, são os incentivos para a deslocalização de pessoas e empresas para o interior. Leio nos jornais: «O trabalhador pode beneficiar de um apoio inicial até 4.827 euros, para incentivar a mobilidade geográfica. Já o empresário pode receber até 82.106 euros por cada posto de trabalho criado, em qualquer dos territórios alvo de discriminação positiva pelas políticas públicas. O objetivo é canalizar 312 milhões de euros de fundos comunitários para o interior, incentivando 590 milhões de euros de novos investimentos e a criação de 2.310 novos postos de trabalho diretos».

O mau é se a coisa resulta. A senhora ministra da Coesão Territorial já pensou no que será da Amadora e do Barreiro se perderem metade dos residentes? E os custos da reabertura das escolas e das estações dos CTT? E a reposição das linhas da CP? E água para dar de beber a tanta gente? E dinheiro para recuperar as piscinas municipais e os polidesportivos? 

Cuidado, senhora ministra: veja o que faz ao dinheiro dos contribuintes. É que… aos portugueses, estende-se a mão e eles tomam o braço. Ponha os olhos no neto do Júlio!