Elefantes um jogo em grande

De repente, após uma conversa regada a whisky, disputou-se um Inglaterra-Escócia, no Nepal, em polo à garupa de proboscídeos.

Alguns especialistas nesse exigente desporto que se chama halterocopismo dizem que um dos efeitos secundários provocados pelo exagero do exercício pode declarar-se através da visão de elefantes cor-de-rosa. Certo é que Jim Edwards e James Manclark começaram a beber cedo naquela tarde fria de St. Moritz, a famosa instância de inverno dos Alpes suíços, e Edwards começou a falar sobre paquidermes ao fim do terceiro Laphroaig single malt de 32 anos e contou ao seu novo companheiro de copofonia que, por entre uma série de vastas propriedades espalhadas pelos 148 milhões e 900 mil quilómetros quadrados da Terra possuía um local bastante específico: a Tiger Tops Jungle, no Parque Nacional de Chitwan, no Nepal. Bem, perguntarão os mais atentos, mas o que é que os tigres têm que ver com os elefantes? Uma questão cuja resposta caberia ao próprio Jim Edwards mas, como não o tenho aqui à beira, respondo eu: os frequentadores do parque que querem ver tigres em estado selvagem deslocam-se por entre a floresta no alto de elefantes. Neste ponto, Jim e James já estavam suficientemente alegres e soltos para começarem a impingir um ao outro ideias estapafúrdias. Edwards trouxe à colação um velho hábito dos marajás utilizado para entreter as dezenas de consortes que acumulavam nos haréns: enquanto os cornacas conduziam os pacientes proboscídeos, as madamas, sentadas confortavelmente numas cadeirinhas laterais ao lombo do mamífero, tentavam acertar numa bola com uns tacos parecidos com os de golfe. Claro que isto era nos bons velhos tempos anteriores ao British Raj, a joia do Império Britânico, aí pelos seus anos finais de 1700, inícios de 1800.

Manclark ficou com a imagem encasquinada. Foi deitar-se um tudo nada ébrio, como convém a um cavalheiro respeitador de Sua Majestade, mas não assim tão enfrascado que não gastasse umas valentes voltas na almofada a matutar no assunto, provavelmente desejando ter ainda esvaziado mais um bom cálice do tão digestivo scotch da Isle of_Islay. A noite ser-lhe-ia boa conselheira. Acordou sem ressaca. Pelo contrário: fresquinho que nem uma alface. E com pressa de reencontrar Jim, preferencialmente igualmente sóbrio.

 

Um inconveniente trapalhão

O encontro entre Jim e James deu-se no ano de 1982. Fundaram a WEPA – World_Elephant_Polo Association – e rabiscaram as primeiras regras de um jogo que haveria de ter um campeonato mundial. Tal como acontecia com o polo a cavalo. Claro que há diferenças muito visíveis entre um cavalo e um elefante, se me perdoam a ‘lapaliçada’, sobretudo em envergadura, pelo que os dois companheiros resolveram que o campo iria ser reduzido a três quartos do da modalidade equina e que haveria dois elementos por cada bicho, um mahout na condução e o batedor que lhe indicaria para onde dirigir o animal. Ponto fundamental: se um dos orelhudos resolvesse sentar-se à frente da baliza, a sua equipa seria castigada com um penálti. O primeiro desafio oficial deste recém-federado desporto teve lugar em Chitwan, num dia propício, 1 de Abril, ao qual os britânicos chamam prosaicamente de fool’s day.

James Manclark era um praticante assíduo da versão mais simples do polo e um escocês de gema que não dispensava o kilt, essa saia das Terras Altas com tecido padrão do seu respetivo clã. Quis apresentar um seleção escocesa para o tal jogo inaugural, propondo a Edwards que reunisse uma seleção de ingleses de forma a dar mais paladar ao confronto. Dito e feito. Inglaterra-Escócia, cara a cara, ou neste caso tromba a tromba, embora não seja sequer necessário sublinhar que os elefantes de ingleses e de escoceses não tinham o que quer que fosse.

O espetáculo foi divertido quanto baste para se tornar popular. Até porque o elefante é um mamífero que suscita simpatia e tem uma dose de atabalhoamento capaz de deixar muito cornaca de cabelos em pé. Nos anos seguintes, várias competições oficiais foram surgindo, no Nepal, na Tailândia, na Índia (sobretudo no Estado do Rajastão) e no Sri Lanka. Mas já se sabe que, nestes tempos que correm, não há animal que não seja vigiado e protegido por uma série infinita de associações e instituições. E, como não tem voz na matéria, fica à mercê da habitual confusão que o bicho homem propaga por todo o sítio onde resolve meter a pata.

Depois de, em 2007, um elefante mais trapalhão ter arranjado um sarilho no Torneio Internacional de Galle, a antiga Gimhathiththa do tempo em que os portugueses chegaram à ilha de_Ceilão, dando um tombo estrondoso que deixou os dois jóqueis bastante amassados e destruindo a carrinha da selecção espanhola, a People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), um organismo que toma a seu cargo a defesa dos direitos dos animais, com sede em Norfolk, Virginia, Estados Unidos, declarou guerra total ao jogo que Jim e James tinham inventado naquele acolhedor bar de St. Moritz. Exigiu de imediato que se cancelassem todos os torneios, e que se proibisse a sponsorização dos mesmo, penalizando fortemente as empresas que o fizessem.

Jim Edwards morreu dois anos mais tarde mas ainda recebeu o apoio incondicional de Chris Stafford, um compatriota que fomentou teimosamente a King’s Cup, disputada anualmente em Moo Baan Chang, uma pequena localidade tailandesa, patrocinada pela Moet et Chandon e que contrariou as pretensões da_PETA ao criar o maior espaço do mundo para proteção de elefantes, a Elephant Story, que tem como apoiante principal a Golden Triangle Asian Elephant Foundation, oferecendo cuidados veterinários a mais de 300 animais.

Tiger Tops passou entretanto à história. Manclark retirou-se da competição em 2014, depois de ter sido o único a ganhar a King’s Cup e a WEPA Cup no mesmo ano. A idade da reforma de um elefante é desconhecida. Ou pelo menos não oficial.