“Ninguém pensava que passado tanto tempo depois do 25 de Abril fosse possível um partido de extrema-direita entrar na AR”

O partido liderado por André Ventura chegou ao Parlamento em outubro e, nos últimos meses, os números mostram que está a crescer.

Na noite eleitoral, os portugueses decidiram que o Chega devia ter voz no Parlamento. André Ventura foi eleito pelo círculo de Lisboa e o Chega conseguiu conquistar 67 826 pessoas, número que representa, a nível nacional, 1,3% dos votos. O líder do partido, criado em abril do ano passado, deixou nessa noite a garantia de que “dentro de oito anos”, o Chega seria “o maior partido eleitoral”.

A promessa está longe de se concretizar, mas a verdade é que as sondagens apontam para um crescimento do Chega. Para o histórico do PS, Manuel Alegre, os resultados das sondagens são explicados pelo aproveitamento que o partido faz de certos temas, como a questão da segurança. “O problema da polícia, das esquadras em mau estado, de a polícia não ter subsídio de risco, de as pessoas se sentirem desprotegidas, de haver bairros perigosos sem a devida proteção e também o problema de uma certa impunidade” são apontados como alguns dos fatores de que André Ventura se aproveitou. “Ele viu nisso o nicho de mercado político”, acrescenta.

Manuel Alegre considera, porém, que o líder do Chega não deve ser subestimado. “Deve ser combatido política e ideologicamente, mas o combate mais eficaz é resolver as situações que ele sabe explorar”.

Enquanto se discute o défice, a dívida ou o Sistema Nacional de Saúde, temas como a segurança ou a habitação têm ficado à margem e à espera de ser explorados. Manuel Alegre acrescenta que é deste tipo de situações que o partido se aproveita. “Situações de bloqueio na sociedade, situações em que há setores da sociedade que já não têm o elevador social, que sentem que já não saem dali. Sentem que já não têm um escape”, explica.

crise à direita O crescimento destas novas formas de expressão política prende-se ainda com as crises políticas atuais, de que dá exemplo “uma crise grave no CDS ou uma crise relativa no PSD”. Em declarações ao i, Manuel Alegre afirma que “a política, tal como a natureza, tem horror ao vazio”, e, por isso, seria bom para a democracia que o partido de Rui Rio – por quem, devido ao “caráter, honestidade e integridade”, tem uma grande consideração – “retomasse a sua tradição”. “Tira o terreno a forças extremistas e a algum extremismo de direita”, afirma o socialista.

Este potencial de crescimento do Chega deveria servir, na opinião de Duarte Marques, como sinal de alerta para os partidos mais tradicionais. O deputado defende que os partidos populistas “sobem sempre pela falência dos sistemas políticos”. Para o ex-líder da JSD, moderação é a palavra-chave. “Não devemos desvalorizar nem preocupar-nos muito. Devemos aprender com os erros”, afirma Duarte Marques, explicando que é necessário que os partidos tradicionais verifiquem até que ponto a responsabilidade também é sua, já que “a falência dos partidos moderados, que é o que está a acontecer”, está diretamente ligada ao crescimento das forças extremistas.

Duarte Marques garante que há dois caminhos a seguir depois de o populismo se “alimentar das falhas dos outros” partidos. O primeiro “é fazer como eles, que é a tentação mais fácil e que alguns partidos já demonstraram querer fazer”. O outro é fazer uma reforma. “Reformarmo-nos e sermos mais eficientes e mais eficazes. O populismo só se combate com eficácia e só sobe quando há ineficiência”, garante.

UM bónus significativo Para António Costa Pinto, a novidade está na entrada de um partido como o Chega na Assembleia da República. O partido representa “uma inovação em Portugal” na medida em que “um partido populista de direita rompeu a barreira parlamentar”. Para o investigador, esta entrada na Assembleia da República deu ao partido “um indicador de notoriedade mediática e social muitíssimo superior ao seu resultado eleitoral”. Sublinhando que os resultados das legislativas não representaram uma “revolução”, o politólogo explica que foi a partir do momento em que André Ventura se sentou na bancada parlamentar que o potencial de crescimento do partido começou a manifestar-se. “A chegada ao Parlamento dá um bónus muito grande aos partidos políticos. Dá um bónus financeiro, um bónus de interpelação ao primeiro-ministro e um bónus de tratamento interpares entre os restantes”, explica.

Foi esse “bónus significativo” que deu ao partido destaque mediático para aquele que é o desafio mais importante de um político inserido, “sobretudo, em partidos antissistema” – a chegada da mensagem política aos destinatários e consequente mobilização política dos segmentos da sociedade que expressam os mesmos valores. E é aqui que o Chega “não falha”.

A capacidade que o partido tem de dominar a agenda política tem demonstrado que o “Chega não perde uma oportunidade de marcar a agenda”, dando António Costa Pinto o exemplo da polémica entre o deputado do Chega e o presidente da Assembleia da República, depois de Ferro Rodrigues ter repreendido André Ventura por abusar da palavra “vergonha”.

Manuel Alegre vai mais longe e explica que a entrada no Parlamento foi um “choque emocional” para muitas pessoas. “Ninguém pensava que tanto tempo depois do 25 de Abril fosse possível um partido de extrema-direita entrar na Assembleia da República”, garante, acrescentando que era inevitável que os fenómenos populistas de extrema-direita, “que acontecem com características mais preocupantes” um pouco por toda a Europa, chegassem a Portugal.