Antigo emissor da RTP à venda por 12,3 milhões de euros

Esta será mais uma das 11 justificações que a Comissão de Trabalhadores vai exigir ao Conselho de Administração na reunião que se realiza esta segunda-feira.

A antiga estação emissora da RTP, em Miramar, Vila Nova de Gaia, desativada há vários anos e que foi vendida pela estação pública por cerca de 600 mil euros em 2016, está agora à venda por um valor muito superior: 12,3 milhões. A venda, sabe o SOL, foi feita pelo presidente do Conselho de Administração (CA), Gonçalo Reis, no mandato anterior e consta no Relatório de Contas de 2016 da empresa pública.

Nesse mesmo ano, justifica a RTP, «deu-se continuidade aos processos referentes à regularização cadastral de vários imóveis, nalguns casos permitindo a concretização da sua alienação, tendo sido feita a venda no Continente da Estação Emissora de Miramar e, em Ponta Delgada, nos Açores, de um imóvel na Avenida Gaspar Frutuoso». No mesmo documento, os valores que dizem respeito a alienações de terrenos e recursos naturais, correspondem a 621.800,00 euros, não estando, no entanto, discriminado o valor de cada venda. 

Mesmo sem o valor exato, a verdade é que a verba pedida agora é muito superior ao conseguido pela RTP. Ao SOL, o departamento de urbanismo da Câmara de Gaia, a Gaiurb, garante que não foi realizada nenhuma alteração ao Plano Diretor Municipal (PDM) nesta zona nos últimos anos.

O anúncio, publicado no site Idealista, refere-se ao terreno como um espaço de luxo: «Este é sem dúvida um dos melhores terrenos do Porto – Vila Nova de Gaia – Miramar. Ideal para construção de uma unidade hoteleira, resort de luxo, um condomínio de luxo! e muito mais! Terreno em 1.ª linha de mar, com 27.000 m2. Está dividido em 2 artigos, um deles tem uma casa com 500 m2 de área coberta (antigas instalações da radio difusão portuguesa). Excelente investimento».

Esta é, aliás, uma das questões que a Comissão de Trabalhadores vai tentar ver justificada na reunião desta segunda-feira com o CA.

E no que diz respeito a instalações, há ainda dúvidas levantadas pelos trabalhadores do norte o que levou a Subcomissão de Trabalhadores do Porto a convocar um plenário. No documento a que o SOL teve acesso, os trabalhadores garantem que «nas últimas semanas adensaram-se rumores de que o CA estaria a preparar um projeto de requalificação do CPN, que envolveria a demolição de alguns edifícios no âmbito de uma operação imobiliária tendente a alienar terrenos». Antes do plenário, e por escrito, o CA considerou ainda não ser «oportuno» dar informação sobre essa operação, que classificou de «melhoramento da solução urbanística».

Depois do plenário, que decorreu esta quarta-feira, os trabalhadores assinaram um abaixo-assinado enviado ao CA e à direção do CPN, exigindo «esclarecimentos cabais sobre uma operação urbanística e projetos de requalificação das instalações no Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia». «Esta decisão surge na sequência da recusa do CA em reunir com os legais representantes dos trabalhadores para esclarecimento de rumores que davam como certa uma operação de alienação de terrenos com o alegado fito de financiar a requalificação e reequipamento técnico deste centro responsável por quase 40% do Serviço Público de Media», lê-se no documento a que o SOL teve acesso. O problema, referem os trabalhadores, é que «um dos pedidos de reunião ficou sem resposta, um segundo foi respondido de forma lacónica, já depois de a SubCT da RTP Porto ter confirmado junto da direção do Centro de Produção que tais planos existiam de facto à margem da sua intervenção direta, e de fonte da autarquia de Vila Nova de Gaia ter também confirmado que um projeto deu entrada nos seus serviços a 31 de janeiro de 2020». Isto depois de o CA ter afirmado «perentoriamente a esta SubCT na reunião tida em abril de 2019, que não existiam quaisquer projetos, ou intenção de alienar terrenos do CPN».

Produções Fictícias e Nuno Artur Silva na mira

A Comissão de Trabalhadores da RTP espera, esta segunda-feira, ter as respostas às 11 questões colocadas ao Conselho de Administração da estação pública através de uma carta aberta. Entre as dúvidas que os trabalhadores esperam ver esclarecidas estão os contratos assinados recentemente entre a RTP e a Produções Fictícias que, tal como o SOL noticiou na edição passada, superam os 400 mil euros. Mas o valor pode ultrapassar o milhão de euros se se juntar um terceiro projeto que está em cima da mesa de autoria de Virgílio Castelo. Ou seja, o SOL sabe que a Produções Fictícias apresentou dois projetos à atual direção do segundo canal, Teresa Paixão: Fascínio das Histórias, que ficou em 20 mil euros e já foi emitido; e Encarregados de Educação, no valor de 390 mil euros, mais acesso aos arquivos da RTP – esta série humorística terá 13 episódios de 15 minutos cada e está ainda em avaliação. 

A Produções Fictícias foi vendida por Nuno Artur Silva a um sobrinho para poder assumir o cargo de secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media.

A notícia avançada pelo SOL gerou polémica e fez com que o advogado e comentador político José Miguel Júdice comentasse o assunto na SIC: «Se isto não é conflito de interesses, o que é conflito de interesses?», disse. Ao i, o comentador avançou ainda: «Estou a basear-me no que li nos jornais. O que li nos jornais é que a empresa tem estado a trabalhar para a RTP, que é do Estado, que os resultados de 2019 e 2020 são relevantes para a determinação do preço de venda da empresa. Ora, sendo assim, acho que há aqui realmente um verdadeiro conflito de interesses. Ou a empresa não trabalhava para entidades públicas ou então o contrato não devia prever uma vantagem para a hipótese de os resultados serem mais positivos». 

Recorde-se que no contrato de cessão de quotas da Produções Fictícias assinado por Nuno Artur Silva e pelo sobrinho, poucos dias antes de o humorista tomar posse como secretário de Estado do segundo Governo de António Costa, pode ler-se no ponto 2 com a epígrafe ‘Preço das Quotas’:

2.1 A Quota A é cedida pelo preço correspondente ao seu valor nominal, a pagar pelo Cessionário André Caldeira ao Cedente Nuno Artur Silva no prazo de 2 (dois) anos a contar da presente data, em uma ou mais tranches de acordo com a disponibilidade do primeiro;

2.2 A Quota B é cedida pelo preço correspondente ao seu valor nominal, a pagar pela Cessionária Michelle Adrião à Cedente Seems no prazo de 2 (dois) anos a contar da presente data, em uma ou mais tranches de acordo com a disponibilidade da primeira.

2.3 O preço das Quotas A e B referidos na presente cláusula foram fixados de mútuo acordo entre cada um dos Cedentes e cada um dos Cessionários, respetivamente, tendo em conta a difícil situação de tesouraria da Sociedade e projeção de resultado líquido referente ao ano de 2019.

2.4. Em complemento dos montantes referidos nos números anteriores, o Cedente Nuno Artur Silva terá ainda direito a receber o montante adicional de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de preço adicional, caso se verifique alguma das seguintes situações:

i) O resultado líquido da Sociedade referente ao exercício de 2020 seja superior a €40.000,00 (quarenta mil euros);

ii) A Sociedade seja dissolvida e liquidada até 31 de dezembro de 2020.”

Depois de ter sido confrontado pelo Expresso, também o i tentou obter esclarecimentos junto do secretário de Estado, tendo o gabinete enviado o mesmo comunicado: «O valor de venda que consta do Contrato é de 200.000€. Se os resultados líquidos de 2020 forem inferiores a 40.000€, o valor a receber será de 180.000€. Este é um procedimento normal na venda de empresas. Neste caso em particular, a venda foi feita com a rapidez necessária por um processo de Management Buyout (MBO). Um processo claro, transparente e explícito que está público desde o momento da venda e da publicação no registo das sociedades comerciais (21/10/ 2019)». A mesma nota explica ainda que «quaisquer contratos, programas ou propostas de programas apresentados pela Produções Fictícias à RTP, antes de Nuno Artur Silva ser Secretário de Estado ou depois de ter vendido a empresa, não são fatores de infração às regras de exercício de funções de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos».

Outras explicações

Na reunião desta segunda-feira, os trabalhadores da estação pública vão ainda querer ver esclarecidos junto do CA assuntos referentes aos reenquadramentos, vencimentos e subsídios, refeitório e cartão Edenred. A Comissão de Trabalhadores vai querer ainda saber se é verdade que Maria Flor Pedroso foi promovida quatro escalões após ter sido exonerada e se Cândida Pinto foi imposta à Antena 1.