Já agora, não coma carne!

Um dia, no final da tarde, tive uma reunião mesmo no centro da Baixa Pombalina. O prédio inteiro é alugado para salas de reuniões, escritório e salas de trabalho. Outrora já tinha sido casa de alguém. São vários apartamentos agora transformados em lugares de trabalho. 

É quarta-feira de cinzas. Para os cristãos é o dia em que se inicia o período da quaresma que os conduzirá à celebração da Páscoa. Jejuam e fazem abstinência! É um dia particularmente penitencial. Neste dia, nas missas é deitada cinza no cimo da cabeça de cada fiel. O padre repete sucessivamente: «Lembra-te que és pó da terra e ao pó hás de voltar».
Tudo lembra a finitude do homem. Tudo lembra que há Outro maior do que eu. Esse Outro é Deus. E durante os próximos quarenta dias será assim. Os cristãos recolhem-se num período de reflexão e retiro para voltarem à sua relação com Deus. Todos os anos nos é dada essa oportunidade. Celebrar o encontro com Deus que Cristo veio facilitar.

Ora, nesse mesmo dia, ao entrar por uma porta, de uma antiga casa, vejo um papel escrito, com um aviso com palavras algo semelhantes a estas: há aulas de yoga para quem quiser. Parei e perguntei: ‘e aulas de oração, não há aqui por acaso?’.

Não é meu feitio censurar quaisquer hábitos religiosos, de quem quer que seja. Haverá liberdade para que todos possam praticar as suas preferências religiosas e espirituais como queiram. Aliás, quero também que me respeitem na minha liberdade de consciência de exercer a minha religião que não me faz sentido censurar o exercício de outras religiões.

Acontece que naquele dia voltei a lembrar-me como andamos envergonhados na nossa religião. Lembrei-me de como nos envergonhamos de Deus. Não temos coragem de o propor, de o praticar, de o anunciar. Seguramente não o fazemos, porque não o amamos. Não o amamos, porque ainda o não encontrámos. 

Lembro com tristeza tantas práticas da igreja católica que são ridicularizadas e que estão ligadas às nossas tradições espirituais. Se falamos em fazer jejum, logo somos apelidados de fundamentalistas ridículos. Se falamos em fazer dieta, somos os mais modernos dos homens. Se falamos em fazer oração, desperdiçamos o nosso tempo. Se fazemos yoga, estamos a concentrar a nossa mente, a combater contra a ansiedade. 

Marcel Gouchet fala de um «desencantamento do mundo», uma saída da religião. O homem moderno não é mais religioso. Eu diria que o homem moderno não tem a religião institucional como a entendemos até ao momento. O homem moderno procura uma certa espiritualidade de si mesmo, uma assunção das suas aspirações materiais no próprio material. Mas o homem contemporâneo é, ele mesmo, mágico!

Quando trabalhei no hospital público fiquei horrorizado com o crescente número de formações sobre uma prática, também ela oriental, de reiki. É curioso que os profissionais de saúde desenvolvam nos hospitais a prática de uma espiritualidade que mais se assemelha à magia do que à ciência. 

O reiki baseia-se num conjunto de doutrinas orientais ligadas aos chakras (uma espécie de fontes de energia localizados em vários pontos do corpo). Depois usam-se as mãos para se transmitirem as energias que curam, que atenuam a dor, que saram as feridas interiores e exteriores. 

É verdade! Isso vai-se alastrando cada vez mais na mentalidade de alguns profissionais, como fazendo parte de uma ideia científica. 

O que me deixa sempre triste não é que cresçam estas ondas espirituais, mas que os cristãos não conservem e deem visibilidade às suas tradições espirituais como medo do ridículo. 

Já agora, durante a quaresma não coma carne às sextas-feiras. Sim! Ainda está em vigor esse exercício!