Depois do Brexit, para onde vai a Europa?

Não é fácil prever que Europa teremos depois do Brexit, e como será gerida num clima de desconfiança e temor crescentes…

A agenda política em Portugal foi dominada, nos últimos dias, por um acontecimento de grande intensidade mediática e resultados finais imprevisíveis: a entrada, com força, nas preocupações globais e no quotidiano dos cidadãos da epidemia conhecida como coronavírus.

A questão da epidemia originária da China (entretanto rebatizada de Covid-19) e, rapidamente, ‘absorvida’ por grande parte das sociedades mundiais é, com efeito, muito preocupante.

Será ainda demasiado cedo para identificar todas as consequências desta epidemia, mas é já suficientemente tempo para compreender que depois do Covid 19 o mundo poderá nunca mais ser o mesmo.

Não serão apenas as influências negativas no setor económico que o bom senso indica virem a ser significativas e muito acima das escassas décimas de perda de crescimento que têm sido anunciadas, mas especialmente o novo modelo de relacionamento entre sociedades com efeitos nefastos ao nível da mobilidade e ao nível da convivência de estratos sociais e raciais distintos.

Estaremos agora, com os dados disponíveis, a meio caminho entre os otimistas que consideram que a epidemia é, apenas, uma versão mais dura de uma gripe global e os pessimistas que acham que esta desgraça pode ser a confirmação de que, quando a humanidade comete erros, a correção dos equilíbrios perdidos só é possível através de uma rutura malthusiana.

Felizmente que a primeira alternativa tem feito o seu caminho, de uma maneira geral, junto da opinião pública e a que a segunda se confina a setores mais radicais da comunidade científica que está a ‘tratar’ com números verdadeiramente aterradores.

O que é factual é que com o aparecimento desta questão foram escassamente escrutinadas outras situações atuais cujo desfecho será da maior importância para o nosso país.

A primeira tem a ver com a nova fase do processo Brexit que até ao fim do corrente ano retirará a Grã-Bretanha da União Europeia.

Apesar da firmeza e unidade que a Europa tem demonstrado quanto a este assunto, começa a ficar claro que os prejuízos desta rutura podem ter uma repartição muito diferente entre o Reino Unido e a União Europeia do que aquela que inicialmente se previa.

Ora, nestas circunstâncias, pode temer-se que uma economia como a portuguesa, que ao longo dos últimos anos tem sido incapaz de construir defesas contra choques externos de certa dimensão, sofra impactos imprevistos e fortemente negativos que ponham em causa o escasso equilíbrio financeiro entretanto conseguido.

A União Europeia, pelo seu lado, deve, também, face ao Brexit, reinventar-se e criar condições para acomodar e praticar em todos os domínios da sua intervenção, políticas mais amigas dos cidadãos europeus.

Este é, aliás, um bom momento para que a prova definitiva seja feita, porque está também a discutir-se o quadro financeiro plurianual para o período de 2021-2027.

Tudo começou, como devia, com a proposta da Comissão de maio de 2018, prevendo um orçamento global equivalente a 1,11% do RNB da União, proposta que acomodava a perda de 75000 milhões de euros com a saída do Reino Unido e defendia novas prioridades (alterações climáticas, economia digital, refugiados, defesa das fronteiras, etc.), mas que, naturalmente, apresentava cortes nalgumas políticas tradicionais de que ‘beneficiam’ os países menos desenvolvidos.
O contraditório desta proposta foi, de imediato, feito pelo PE, propondo um volume global de recursos equivalente a 1,3% do RNB da União o que, não pondo em causa novas prioridades, permitia minorar os cortes nas políticas tradicionais.
Já no decurso do atual mandato parlamentar, o Conselho Europeu apresentou, por três vezes, propostas inferiores à proposta inicial da Comissão, com valores a situarem-se à volta de 1,07% do RNB comunitário, o que, obviamente, se for aprovado, implicará cortes ainda maiores no financiamento de algumas políticas que interessam a Portugal.

É neste quadro política e financeiramente complexo e, à vista, sem solução – os recursos diminuem com a saída do Reino Unido, os compromissos aumentam com as novas prioridades, os países pagadores recusam-se a aumentar as suas contribuições e uma solução de recursos próprios não é viável a curto e mesmo a médio prazo – que se tem assistido ao confronto de argumentos entre os países ‘frugais’ (ou forretas como, levianamente, lhes chamou António Costa) e os países amigos da coesão.

Não é preciso ter grandes dotes adivinhatórios para perceber que, com o decurso do tempo (o limite razoável é junho deste ano), a coesão do primeiro grupo surgirá bastante superior à que se conseguirá à volta do segundo.

Por isso talvez seja o momento para racionalmente atentar na mensagem que a presidente da Comissão (Ursula von der Leyen) transmitiu, há poucos dias, à opinião pública portuguesa: «Serão negociações duras e longas, mas o mais importante é defender um orçamento moderno» (sublinho moderno).

Seguramente que a longevidade exige paciência oriental, mas exige, muito em especial, mais inteligência e sentido do possível, sobretudo no momento difícil que a construção europeia pode vir a atravessar.

Não é fácil prever que Europa teremos depois do Brexit, e como será gerida num clima de desconfiança e temor crescentes, mas seguramente não teremos uma Europa melhor se não encontrarmos um novo compromisso financeiro e um acordo global sobre as prioridades políticas suscetíveis de mobilizar todos os estados membros e de restaurar a confiança.