Um dia perfeito em Luxor

«A sensação de mistério evocada pelas indecifráveis combinações de símbolos […] era por si mesma algo belo», 

escreveu o arquiteto e historiador da arquitetura holandês Joseph Rykwert acerca de como eram olhados os hieróglifos nos séculos XVI-XVIII, antes de se saber o que significavam aquelas inscrições. «A própria estranheza e grandeza do Egito sugeria o já citado comentário de Piranesi: ‘Do medo, brota o prazer’». E, poderíamos nós acrescentar: ‘do desconhecido, brota o medo’.

Essa espécie de feitiço – mas não o encanto – acabaria por ser quebrada em 1822 por um erudito francês que tinha aprendido a ler sozinho, estudara línguas antigas graças a uma bolsa instituída por Napoleão e se tornara professor da universidade aos 18 anos.

Falamos, obviamente, de Jean-François Champollion (1790-1832), o ‘pai’ da egiptologia e o protagonista (e narrador) do romance de Christian Jacq Champollion l’Egyptien. Aqui, Jacq (também ele egiptólogo) descreve-nos a muito ansiada viagem que o «genial decifrador dos hieróglifos» realizou ao Egito entre julho de 1828 e dezembro de 1829, poucos anos antes da sua morte prematura em Paris.

Trata-se de um excelente romance para acompanhar – quem tiver essa sorte – uma visita turística àquele país do norte de África; ou para recordar quem já lá esteve dos inesquecíveis locais e monumentos;ou até para servir, se não como substituto, pelo menos como pequeno consolo pela viagem que nunca se há de fazer.

Fiquemos com um excerto que nos transporta para outro espaço e outro tempo:«Oar era açucarado. Eu absorvia-o como uma iguaria. Nenhuma palavra poderia descrever este clima maravilhoso em que a luz penetra cada parcela do corpo. Seria um dia como os outros, habitado pelo sol, o Nilo, os templos e os trabalhos dos homens. Um dia perfeito em que a vida e a morte aceitariam, uma vez mais, confraternizar».

E continua:«Diante de mim erguia-se Luxor, imenso palácio divino, precedido de dois obeliscos, talhados num trabalho perfeito de dois blocos de granito rosa e acompanhados de quatro colossos enterrados até ao peito. Reconheci de imediato a arte de Ramsés o Grande».

Evidentemente, embora cubra outro período, o livro não pode passar ao lado da decifração dos hieróglifos, esse momento eureka em que Champollion terá sentido uma emoção tão forte que perdeu os sentidos. «Copiando as inscrições, decifrei-as. Os hieróglifos já não eram uma língua morta, exterior a mim, mas um discurso vindo de dentro que se tornou tão natural quanto a língua materna. Eu estava a ler os hieróglifos.

Os signos dançaram bruscamente à frente dos meus olhos».

É curioso constatar que duas das grandes conquistas que mudaram o nosso entendimento do Antigo Egito – a decifração dos hieróglifos e a descoberta do túmulo de Tutankhamon – não foram realizadas por egípcios. Numa época em que tanto se fala de colonialismo, de espoliação e de opressão, nunca esqueçamos o que devemos a tantos e tantos europeus ilustres como Howard Carter e Champollion.