RTP e Produções Fictícias metem 3.º contrato na gaveta

Administração diz aos trabalhadores que o terceiro projeto acabou por ser retirado pelas Produções Fictícias. Rui Rio analisa a venda do terreno do antigo emissor de Miramar.

Apesar do Conselho de Administração da RTP o ter desmentido. Tal como o SOL noticiou há duas semanas, a Produções Fictícias entregou nos últimos meses três projetos no canal público, cujo valor global ultrapassava o milhão de euros. Fascínio das Histórias, com o custo de 20 mil euros – já transmitida em finais de 2019 –, Encarregados de Educação, no valor de 390 mil euros, mais acesso aos arquivos da RTP – série humorística de 13 episódios com 15 minutos cada, e Sangue dos Bastardos, com argumento de Virgílio Castelo, de 600 mil euros.  

OSOL , no dia 21 de fevereiro, questionou sobre estes três projetos a RTP, que respondeu: «No âmbito das consultas de conteúdos de 2019 a RTP 2 manifestou interesse e adquiriu um Documentário O Fascínio das Histórias que as Produções Fictícias apresentaram e que teve o apoio da Fundação Gulbenkian. A Gulbenkian estreou-o e a RTP 2 emitiu-o, depois, no final de 2019. A RTP 2 manifestou igualmente interesse numa série de ficção de humor, de 13 episódios, apresentada pelas Produções Fictícias, projeto que ainda está em desenvolvimento. Não há mais nenhum projeto da produtora em causa em carteira na RTP, pelo que o 3.º projeto que refere não existe».

As notícias do SOL davam conta do mal-estar no canal público por estes contratos serem feitos com uma empresa criada por Nuno Artur Silva, atual secretário de Estado Cinema, Audiovisual e Media, antigo administrador da RTP. E por, no contrato de venda da empresa a um sobrinho, Nuno Artur Silva ter deixado em escritura que teria direito a mais 20 mil euros, se a Produções Fictícias tiverem resultados líquidos de 40 mil euros.

Acontece que, nesta semana, o conselho de administração recebeu a comissão de trabalhadores numa reunião onde foram discutidos mais de uma dezena de assuntos, entre os quais os negócios com a Produções Fictícias. 

Nessa reunião, segundo um comunicado da comissão de trabalhadores, a administração prestou esclarecimentos sobre os «contratos recentemente assinados entre Produções Fictícias e a RTP» da seguinte forma: «O administrador Hugo Figueiredo, responsável pelo pelouro de conteúdos, leu à CT um texto para explicar os contratos celebrados entre as Produções Fictícias e a RTP a saber: A RTP exibiu, em 2019, um documentário das Produções Fictícias (PF), aquisição efetuada um ano após Nuno Artur Silva ter saído da administração da RTP. 

Em Abril e Maio de 2019, as PF concorreram à consulta de conteúdos aberta pela RTP e a que concorrem dezenas de produtoras. No âmbito da seleção da consulta de conteúdos – Setembro de 2019 – as PF ganharam uma série para a RTP2, a ser exibida em 2021, e uma série para a RTP1 que seria posteriormente apresentada ao ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual)».

Mau, como diriam os Gato Fedorento. Então, afinal o segundo contrato já está assinado e sempre houve terceiro, que acabaria, entretanto, por ser retirado?   «As PF acabaram por retirar este projeto. O administrador sublinhou que todas estas decisões foram anteriores à nomeação de Nuno Artur Silva para o cargo de secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media. O CA afirma não ter conhecimento de quaisquer outros projetos das PF para o corrente ano», explicou à comissão de trabalhadores a administração.

Também insólita é a explicação oficial que a RTP enviou ontem ao SOL: «Em relação aos contratos da RTP com conteúdos das Produções Fictícias, reafirmo o que a RTP disse: Houve um projeto exibido pela RTP 2 em 2019, há outro em desenvolvimento e não há mais nenhum. O administrador Hugo Figueiredo confirmou esta informação na reunião com a CT».

BE e PSD querem Nuno Artur Silva  e Gonçalo Reis na AR 
As polémicas da RTP levaram já o BE e PSD a apresentaram requerimentos para que o presidente do Conselho de Administração da RTP, Gonçalo Reis e o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, sejam ouvidos no Parlamento.

Ambos os partidos querem ver esclarecidas não só a venda da Produções Fictícias bem como os contratos da empresa com a RTP e ainda a venda pela estação pública do terreno da antiga estação emissora em Miramar.
A este propósito, Rui Rio escreveu ontem no seu twitter: «A RTP diz que alienou um terreno em Miramar por 1,75 milhões de euros, mas as suas próprias contas desmentem-na; foi por 621 mil. De qualquer forma, o bem em causa está hoje à venda por 12,3 milhões de euros. Vinte vezes mais em 4 anos. Há alguma razão que a razão possa conhecer?». O líder do PSD deixou ainda na sua publicação parte do relatório de contas da RTP de 2016. 
Entretanto, Nuno Artur Silva já reagiu: «Quero muito ir ao Parlamento esclarecer o que ainda falta esclarecer. Por mim pode ser já amanhã», disse à margem do 6.º Encontro de Produtores Independentes de Televisão.

RTP e a avaliação de mais valias
No que diz respeito aos terrenos da antiga estação emissora de Miramar, em Vila Nova de Gaia, para chegar ao valor dos 621.800,00, o SOL baseou-se no Relatório e Contas de 2016, onde é referido esse valor no que diz respeito às alienações de terrenos e recursos naturais. No entanto, a RTP esclareceu em comunicado  que o terreno foi vendido por 1,75 milhões. Ainda assim um valor muito inferior àquele que está a ser pedido agora (12,3 milhões) pela empresa que comprou o terreno.

O SOL apurou que a Flavigrés, uma empresa de Chaves especializada na comercialização de materiais de construção e decoração, foi o comprador do terreno de Miramar à RTP – conforme consta da certidão de registo predial a que teve acesso.

Seja qual for o valor da venda (dos 600 mil euros aos menos de 2 milhões), a verdade é que o conselho de administração da RTPque contratualizou a venda – liderado por Gonçalo Reis e por acaso também integrado pelo atual secretário de Estado Nuno Artur Silva – não acautelou no contrato de compra e venda eventuais mais valias do terreno que pudessem resultar da eventual alteração do Programa de Ordenamento da Orla Costeira ou do Plano Diretor Municipal de Gaia.

E a verdade é que, se não houve alterações ao PDM que justifiquem a diferença entre o valor da venda da RTP à Flavigrés e o que agora é por esta pedido (mais de 12 milhões de euros) – tal como a Câmara de Gaia já tinha afiançado ao SOL –, as alterações ao Programa da Orla Costeira Caminho-Espinho já deviam ser expectáveis pela RTP e pela avaliadora, uma vez que o processo de alteração deste já estava em marcha.

E agora o Monte da Virgem
Mas o terreno de Miramar não é o único que causa mal-estar na televisão pública. Tal como a subcomissão de trabalhadores do Porto avançou em comunicado divulgado nesta quinta-feira, também os estúdios do Monte da Virgem estão a suscitar polémica. Aqueles trabalhadores questionaram a administração da RTP sobre alegados planos de venda de parte do Monte da Virgem e sobre o projeto que já terá sido entregue na Câmara.

Entretanto, ao final do dia de ontem, o conselho de administração da RTP emitiu um comunicado garantindo pretender reforçar a capacidade do Monte da Virgem e negando qualquer plano de venda. «A RTP tem vindo a equipar os vários centros regionais. Nesse âmbito, pretende-se valorizar o Centro de Produção do Norte, aumentando a sua capacidade de produção, dotando-o de tecnologia mais atualizada e melhorando a vivência dos espaços, com mais comodidade para todos», lê-se na nota.E a RTP esclarece que têm sido desenvolvidos contactos com a autarquia para análise das melhores soluções do ponto de vista urbanístico, ainda em fase de estudo.

O comunicado surpreendeu os trabalhadores da TV pública, que pretendem agora mais esclarecimentos da sua administração.