Boris tem um plano “preocupante” para o Covid-19

No Reino Unido, mesmo dia em que morreram quase vinte pessoas devido à pandemia, as pessoas andam nas ruas como se nada fosse.

No Reino Unido, cujo sistema nacional de saúde só tem à mão uns 5 mil ventiladores para 66 milhões de habitantes – um dos índices per capita mais baixos da Europa -, o plano do Governo de Boris Johnson para enfrentar a pandemia de Covid-19 é acusado de ser insuficiente e irresponsável. Esta segunda-feira o número de mortes subiu de 34 para 55, enquanto os casos registados ultrapassaram os 1500, com mais 171 em 24 horas – mas o número real pode ser muito mais elevado.

“Uma morte pode significar que há 100 casos na região”, assegurou recentemente ao South China Morning Post Gabriel Leung, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong. “Talvez não tenham registado tantos casos simplesmente porque não testaram pessoas suficientes”, explicou – referia-se ao caso dos EUA, que à semelhança do Reino Unido também está a ficar para trás a nível de número de testes.

Pode muito bem ser esse o caso do Reino Unido, que tem sido sistematicamente instado a seguir os conselhos da Organização Mundial de Saúde, resumidos ontem de forma simples pelo seu diretor, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Testar, testar, testar”, salientou Ghebreyesus, acrescentando que “apesar das pessoas com mais de 60 anos terem maior risco, pessoas jovens, incluindo crianças” também podem morrer.

Este último facto é um problema enorme para o Governo de Johnson, cujo principal conselheiro científico, Sir Patrick Vallance, sugeriu a criação de “imunidade de grupo”. O conceito, como proposto pelo Governo britânico, é tudo menos ortodoxo – geralmente envolve vacinação, que ainda não existe para o Covid-19 – e implicaria deixar as pessoas ganhar resistência natural ao vírus, isolando as mais vulneráveis, como as pessoas acima dos 70 anos. “Provavelmente, cerca de 60%” das pessoas teriam de ser infetadas para tal, declarou Vallance na quinta-feira à Sky News.

“Preocupante e possivelmente irresponsável”, assegurou ao Washington Post Devi Sridhar, professor de Medicina na Universidade de Edimburgo, uma das muitas vozes contra o plano. Ontem, Johnson acabou por prometer aumentar a escala dos testes ao Covid-19 e pediu aos cidadãos que evitam viagens e contactos não essenciais, obrigando a que agregados familiares onde hajam sintomas de coronavírus tenham de ficar 14 dias isolados. Medidas “muito draconianas”, considerou o primeiro-ministro britânico.

Ignorar a crise Só o tempo dirá se o apelo de Boris Johnson será escutado. “Todos sabemos o que se passa mas parece que ignoramos”, considerou Claúdia Cruzinha, estudante de antropologia na Universidade Brookes, em Oxford. Até hoje, a vida nesta cidade estudantil continuava normalmente, tirando uma ou outra pessoa com luvas e máscaras, bem como uma afluência incomum aos supermercados.

“Continuam imensas pessoas a ir aos pubs e cafés, a única diferença é que desinfetam mais os sítios”, notou Cruzinha, que a partir de amanhã não vai ter aulas – detetaram dois casos de Covid-19 na sua universidade. Contudo, Cruzinha continua exposta ao público no seu trabalho no McDonald’s, com que financia os estudos. ”As poucas lojas que fecharam foi por iniciativa dos donos”, lamentou.

“Quando se vai à rua, em Londres, as pessoas estão todas em movimento como se a pandemia não existisse”, assegurou Tomás Pires, que estuda engenharia no University College London. As direções de muitas universidades pedem regras mais apertadas ao Governo britânico, e os colegas de Pires também estão preocupados. “Sobretudo por causa dos seus familiares idosos, muitos deles praticam quarentena auto-imposta”, conta.