Quem é fascista?

Numa perspetiva freudiana, trata-se de manifestações de zelo beato, supostamente antifascista, que lembram as denúncias ao Santo Ofício com que muitos demonstravam a pureza da sua crença. Inventa-se o ‘fascista’ para bode expiatório do pecado próprio.

‘Se tivesses o poder, qual seria a primeira medida que tomavas?’ , perguntou o discípulo ao mestre. ‘Rectificar os nomes’, respondeu Confúcio. (Analectos).

‘Eu é que decido quem é judeu’.

 Karl Lueger, racista e anti-semita, presidente da Câmara de Viena de 1897 a 1910

 

Se trocarmos ‘judeu’ por ‘fascista’, percebe-se a natureza do rótulo de ‘fascista’ que inunda as redes sociais e agita a ameaça do regresso do fascismo. Atribuído a torto e a direito, ao sabor da antipatia e do clubismo, reflete uma iletrada ignorância do significado da palavra, do contexto histórico em que surgiu, da realidade que traduz.

Mas alguns usam o epíteto taticamente, para condicionar os que defendem para todos os portugueses as liberdades conquistadas. No pós 25 de Abril, ‘fascismo’ e ‘fascista’ foram anátemas lançados contra os que se opunham ao Partido Comunista. Não escaparam ao estigma grandes figuras do antissalazarismo, mesmo Mário Soares, a quem chamaram o ‘Kerensky português’. Um Kerensky vitorioso, facto que nunca lhe perdoaram nem esquecem.

Recentemente está a verificar-se o uso crescente da palavra, ligado ao aparecimento do Chega e ao cada vez mais expressivo apoio a André Ventura.

Trata-se de um fenómeno de reconstrução do significado das palavras com o objetivo de confundir e dominar as mentes, como bem referiu Albert Camus e oito séculos antes Confúcio compreendera. É isso, afinal, o politicamente correto. Numa perspetiva freudiana, trata-se de manifestações de zelo beato, supostamente antifascista, que lembram as denúncias ao Santo Ofício com que muitos demonstravam a pureza da sua crença. Inventa-se o ‘fascista’ para bode expiatório do pecado próprio.

Acontece que aplicar o epíteto ao que não o é enfraquece a democracia e as forças que enfrentam o verdadeiro fascismo. Isso mesmo terá acontecido na década de 1924 a 34, em Itália, quando os comunistas acusaram os antifascistas socialistas, republicanos, liberais, democratas, conservadores de serem fascistas. Depois foram repetindo a receita, também entre nós.

Para perceber o que é o fascismo, para avaliar se existe realmente uma ameaça à democracia, é necessário colocar a questão numa perspetiva histórica.

O fascismo foi um fenómeno político que deixou a sua marca no século XX, impondo-se na Itália entre as duas guerras mundiais como partido de milícia, um regime totalitário, uma religião política, militarismo integral, preparação bélica para a expansão imperial, tornando-se um modelo para outros partidos e regimes surgidos no mesmo período.

Preconiza um regime de partido único, o culto do chefe com a concentração nas suas mãos de todos os poderes – político, económico e cultural. É nacionalista (patriotismo é outra coisa), arregimentador das massas, cujos interesses pretende diretamente representar (e definir), repressivo de todas as outras correntes de pensamento, expansionista. Trata-se de uma ditadura de socialismo nacionalista, que não preconiza o fim das classes mas obriga à cooperação de todas para o bem comum, de que o chefe é o intérprete.

Caracterizado com rigor o fascismo histórico, poderemos então colocar a questão: quem é fascista?

André Ventura é fascista? O Chega configura um movimento fascista, anti-partidos? E Catarina Martins e o BE? E o PCP? Poderemos identificá-los com alguns dos items caracterizadores do fascismo histórico?

Acresce que André Ventura quer Portugal na Europa, defendendo como muitos grandes europeus a urgência de reformas profundas na União. Bem pelo contrário, Catarina Martins e o BE, Jerónimo de Sousa e o PCP, querem Portugal fora da União, são nacionalistas, traço matricial inequívoco da ideologia fascista.