Um mundo de fronteiras fechadas pela covid-19

A China ultrapassou o pior, mas teme segunda vaga. EUA e Canadá fecharam a maior fronteira do mundo e o hemisfério sul prepara-se para a pandemia, acompanhada pelo inverno.

Um pouco por todo o planeta, viajantes apressam-se a regressar a casa, à medida que cada vez mais Estados fecham fronteiras para descelerar a pandemia do novo coronavírus: com mais de 250 mil infeções registadas, o número de mortes já ultrapassou os 10500. 

Em muitos países, o novo coronavírus está dentro de casa e veio para ficar, como na Europa, que se tornou no epicentro da pandemia. Já na China, a origem da pandemia, não houve registos de infeções localmente transmitidas durante dois dias consecutivos, ao mesmo tempo que o número de casos importados bateu recordes. Foram 39 casos na China continental esta quinta-feira, boa parte de viajantes vindos do Reino Unido, Espanha e Estados Unidos.
«Honestamente, agora arrependo-me de ter saído de Xangai» , lamentou à Reuters Ivana Hauserova, uma checa imigrada na China, que fugiu do país devido à avalanche de casos de coronavírus – está perante uma nova avalanche na Europa. Muitos emigrantes europeus na China, que fizeram o mesmo que Hauserova, também desejam regressar, mas enfrentam regras cada vez mais estritas, como uma quarentena obrigatória de 14 dias, para quem vem de países de risco: em Pequim, serão os próprios a pagar os custos.

Apesar disso, nas redes sociais, os grupos de emigrantes na China, anteriormente cheios de conselhos sobre como sair do país, agora estão cheios de dicas para voltar. «Recentemente houve um aumento acentuado no número de passageiros que chegam ao aeroporto da capital», declararam em comunicado as autoridades municipais de Pequim, esta quarta-feira. Como tal, numa altura em que a primeira vaga da covid-19 na China parece ter sido derrotada, com um saldo de mais de 3200 mortos e quase 90 mil infetados, teme-se a segunda.

Caos e confusão
Nos Estados Unidos, as autoridades federais preparam-se para um cenário semelhante, receando que a pandemia da covid-19 possa durar 18 meses ou mais, podendo haver «múltiplas vagas da doença», de acordo com documentos oficiais obtidos pela CNN.

Os Estados Unidos já ultrapassaram as 14500 infeções, com mais de 200 mortos devido à covid-19. Reagiram proibindo todo o tráfico não-essencial na fronteira terrestre mais longa do mundo, com o Canadá – onde houve mais de 900 casos detetados e 12 mortes.

Também foi proibida a entrada de todos os estrangeiros vindos de países de risco – na proibição está incluído Portugal – e os cidadãos norte-americanos que venham destes destinos terão de entrar no país através de um dos 13 aeroportos com controlos do covid-19. A medida correu mal logo após ser anunciada, quando muitos cidadãos, desesperados por voltar a casa, criaram filas gigantescas nestes aeroportos. No fim-de-semana passado, imagens nas redes sociais mostravam aglomerações pouco recomendáveis em tempos de coronavírus, mas a situação foi normalizando. «Estava à espera de filas e problemas, mas não houve nenhum», assegurou uma viajante satisfeita ao Guardian, em Nova Iorque.

Entretanto, o Governo federal tem sido acusado de inação, enquanto as autoridades estaduais tomam a contenção do vírus nas suas próprias mãos. Talvez o maior exemplo seja a Califórnia, cujo governador, Gavin Newsom, ordenou aos 40 milhões de habitantes do estado que ficassem em casa, exceto para ir buscar comida, medicamentos, receber tratamento, ou outro motivo inadiável.

«Prevemos que cerca de 56% da população do nosso estado – 25,5 milhões de pessoas – seja infetada pelo vírus ao longo de um período de oito semanas», escreveu Gavin, numa carta enviada ao Presidente, pedindo-lhe que enviasse um navio hospital da marinha.

Os comentários de Trump não ajudam a diminuir o caos. Na quinta-feira declarou a aprovação de um medicamento «muito poderoso» para tratar o covid-19, o chloroquine, usado contra a malária, lupus e artrite reumatoide, que estaria «disponível quase imediatamente» – foi desmentido momentos depois, nessa mesma conferência de imprensa, por Stephen Hahn, dirigente da FDA, que aprova novos medicamentos.

«Este é um medicamento que o Presidente nos disse para analisar com atenção», explicou Hahn, notando que «tem de haver ensaios clínicos grandes e pragmáticos» e que «é importante não criar falsas esperanças».

Pandemia que chega no inverno
Em África e na América Latina, que, por agora, têm respetivamente menos de 900 e 3000 casos de covid-19 registados, teme-se que o pior esteja para vir – na mesma altura que começa o inverno no hemisfério sul. Não se sabe o efeito das condições meteorológicas no alastrar do novo coronavírus, mas a expectativa é que a sobrecarga de hospitais e clínicas só piore com os surtos sazonais de gripe.

«O nosso sistema de saúde público já é precário», lamentou Vivian Avelino Silva, investigador brasileiro da Universidade de São Paulo, especializado em doenças infecciosas. «Se a Europa, que não tem os mesmos problemas, se está a debater para conter a tragédia, o que podemos esperar aqui?», questionou à Bloomberg.

O Brasil é o país com maior número de casos da América Latina, com quase 700 infeções registadas e sete mortes. Em resposta, o Senado aprovou por unanimidade, esta sexta-feira, o estado de calamidade no país, pedido pelo Presidente Jair Bolsonaro. A gravidade da pandemia foi notória na própria votação – alguns dos 81 senadores estão com coronavírus, e 75 deles participaram por teleconferência – e o decreto permite o aumentar a despesa pública e incumprimento da meta fiscal prevista para o próximo ano.

É que, diante da pandemia, tentar cumprir a meta fiscal «seria temerário ou manifestamente proibitivo para a execução adequada» do orçamento, «com riscos de paralisação da máquina pública, num momento em que mais se pode precisar dela», explicou o Governo brasileiro. Entretanto, Bolsonaro já restringiu os voos vindos da Ásia e da Europa – mas não dos EUA, o sexto país com mais casos de covid-19, com o qual Bolsonaro mantém uma excelente relação. O seu Governo também fechou todas as fronteiras terrestres do país, incluindo a porosa fronteira com a Venezuela, cruzada por centenas de refugiados venezuelanos todos os dias.

Desastre escondido
O Irão continua a ser dos países mais afetados pela pandemia: falamos de quase 20 mil infeções registadas e mais de 1400 mortos. Isto sem contar com os casos que possam estar a ser ocultados por Teerão, como já acusou a própria Organização de Saúde. «Não sei quantas pessoas morreram, mas o Governo está a esconder a verdadeira escala da crise», disse à BBC um médico iraniano, que preferiu manter-se anónimo. «O surto de coronavírus paralisou o nosso sistema de saúde inteiro», avisou.