O pior que nos podia acontecer?

Em Espanha, os ‘caçorolaços’ exigem que o dinheiro da corrupção da família real seja investido na saúde pública. Mas isso não basta.

O mundo enfrenta uma pandemia de proporções imprevisíveis. Perto de atingir 200 mil infetados e 8 mil mortos, todos os dias consultamos a contagem com esperança de ver desacelerar o «aumento exponencial» de contagiados. Entretanto, no pior cenário, as imagens que chegam de Itália são uma lição de humildade para todos.

Temos a responsabilidade de converter esse choque em consciência. É isso que a população em Portugal tem feito de forma exemplar, acatando as orientações e o pedido de isolamento voluntariamente. Ao declarar o estado de emergência, o Presidente e o Governo reconheceram que esse comportamento não exigia medidas mais rigorosas de controlo da circulação além das que já estavam a ser implementadas.

Há outras medidas mais urgentes. A primeira é o reforço do SNS. Além de dar autonomia de contratação aos hospitais e controlar a exportação de material médico produzido no país, durante os próximos quinze dias o Governo deve estabelecer as regras de requisição de equipamentos, profissionais e material ao setor privado da saúde.

Essa é uma das maiores lições a tirar desta crise. O pior que nos podia ter acontecido era ter entregue a nossa sorte aos seguros e hospitais privados. Nos países sem  sistemas públicos de saúde universais, a sobrevivência ao vírus tem um carimbo de classe ainda mais evidente. Nos EUA, metade da população não consegue pagar um teste. No Reino Unido, os hospitais privados querem alugar camas ao Estado por 2,6 milhões de euros por dia.

Não faltarão abutres à espreita para o business as usual. Mas também cresce a gratidão aos profissionais e a reivindicação de investimento nos sistemas públicos de saúde. Em Espanha, onde já há requisição civil de privados, os «caçorolaços» exigem que o dinheiro da corrupção da família real espanhola seja investido na saúde pública.

Mas isso não basta. É inevitável que desta crise sanitária surja uma crise económica e social. Aí as medidas anunciadas pelo Governo ficam aquém. Desde logo, nas empresas e fábricas que não cumprem os planos de contingência para proteção dos trabalhadores. O Governo tem agora duas semanas para impor os mecanismos que protegem a saúde dos trabalhadores e de reforço da produção industrial essencial.

É preciso proibir os despedimentos, suspender os cortes de água, luz e telecomunicações. Se não se fizer nada, a precariedade vai atirar milhares para a pobreza. Se não se alargarem as medidas de apoio a quem teve quebra de rendimentos ou a quem os perdeu,  falharemos como sociedade.

Tudo apela a uma injeção massiva de dinheiro público na resposta à crise. Não para salvar bancos, mas para salvar pessoas, vidas, empregos. Não podemos exigir menos à Europa e a Portugal. E sem faturas escondidas, porque o pior que nos podia acontecer era repetir os erros da austeridade e deixar milhões de pessoas para trás.

Infelizmente as catástrofes acontecem e não há milagres que nos possam valer. O mais próximo que temos são boas política públicas, serviços públicos fortes, controlo público de bens estratégicos, sentido de comunidade à prova de discursos messiânicos carregados de xenofobia e racismo social. Essa é a nossa maior segurança e não nos podemos esquecer disso.

por Joana Mortágua
Deputada do BE