Esta pandemia obriga a repensar a globalização

Esta pandemia mostrou que a solidariedade entre países é uma mera palavra. Quando surge uma crise cada um preocupa-se apenas consigo.

Esta pandemia, por ser global, pôs em causa a forma selvagem como a globalização económica se realizou, as dependências extremas que criou, as desigualdades graves que promoveu, nomeadamente em cada país, os próprios modelos de desenvolvimento implementados pela maioria dos governos.

A globalização económica atual baseou-se fundamentalmente na caça desenfreada ao lucro e, para isso, na procura de menores custos, o que levou à deslocalização em massa das empresas para países onde eles eram mais baixos, como acontece na China, causando a desertificação industrial, o desemprego e  a miséria em vastas zonas dos países mais desenvolvidos, como aconteceu nos próprios EUA, levando à presidência Trump, e na Inglaterra ao Brexit. A globalização baseada na procura do lucro máximo selvagem levou também ao fracionamento extremo das cadeias de produção (as peças para construir um avião são produzidas em mais de 10 países diferentes e depois é montado no país onde os impostos são mais baixos ou onde  é mais vantajoso para obter maiores lucros), bastando o surgimento de um problema num país para por em causa toda a produção (ex. Autoeuropa). Os lucros e benefícios deste tipo de globalização concentraram-se apenas em menos de 1% da população de cada país, agravando de uma forma extrema as desigualdades, tornando-as socialmente inaceitáveis e provocando a revolta. A agravar tudo isto, muitos governos promoveram modelos de desenvolvimento baseados na exportação com claro desprezo pelo mercado interno, como aconteceu em Portugal, onde a soma das exportações mais importações já representam 82% do PIB, tornando o nosso país extremamente vulnerável às crises nos outros países, como está a suceder. Esta pandemia mostrou que a solidariedade entre países, e mesmo dentro da UE é uma mera palavra, pois quando surge uma crise cada um preocupa-se apenas consigo, como sucedeu com a Itália que teve de ser ajudada pela China.

É tudo isto que, a meu ver e como economista,  esta pandemia global põe em causa, que obriga a uma séria reflexão e à necessidade repensar e mudar todo este tipo de globalização em que a corrida desenfreada pelo lucro se sobrepõe ao direito a um  emprego e a uma remuneração digna, e ao próprio respeito pela dignidade humana.. .

Esta pandemia põe também em causa o modelo de desenvolvimento que vigorou nos últimos anos no nosso país, baseado na promoção a todo o custo das exportações e do turismo com baixos salários, em claro desprezo pela  produção  e pelo mercado nacional, o que tornou o nosso país extremamente vulnerável às crises externas. Para além disso, ela obrigou à utilização imediata e generalizada do teletrabalho, o que terá reflexos importantes nas relações de trabalho que importa refletir para que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados. Ela também mostrou de uma forma clara a degradação a que chegou o SNS pela falta de investimento e a dedicação dos profissionais de saúde que, apesar da insuficiência de meios, não olharam a esforços e com a sua competência  procuraram debelar esta crise, mostrando a urgência de lhes garantir uma carreira e remunerações dignas que os sucessivos governos lhes tem recusado.

por Eugénio Rosa
Economista