Dar é receber

Em Macau não há ditadura nenhuma e ‘venceram’ o vírus. Não foi milagre, foi obra de seres humanos.

Nesta pandemia, não era preciso a ‘terrível’ ditadura do ‘Partido Capitalista Imperial Chinês’ para obrigar os chineses a fazer o que fizeram. Se o Governo não tivesse organizado as medidas tomadas, seriam as populações a impô-las ao Governo. E digo-o com segurança porque vivi lá – e, fascinado com a diferença, procurei ‘perceber’ aquela sociedade.

Repare-se: em Macau não há ditadura nenhuma e ‘venceram’ o vírus. Não foi milagre, foi obra de seres humanos. E a explicação é bem simples.

Não há povos geneticamente melhores ou piores. Como dizia Descartes, a inteligência e a estupidez são os produtos melhor distribuídos pelo mundo. Mas depois há as culturas que alteram essas ‘matemáticas’ para cima ou para baixo. Há a geografia e a história, e as determinações destas. Há as ameaças que os povos foram enfrentando.

Tive a sorte de casar com uma mulher admirável, matemática; eu, que sempre julguei (erradamente) não ter jeito para essa disciplina… Nasceu em Macau, de pais chineses, mas estudou e integrou-se na comunidade macaense, e viveu em Lisboa quatro quintos da sua vida. É, pois, tão portuguesa como os que se sentem e querem ser mais portugueses, e se dão a Portugal. Ora, todas as regras (e muitas mais) recomendadas hoje pela DGS vejo-a eu praticá-las desde que a conheço (chato é continuar ainda hoje a obrigar-me a praticá-las também, como deixar sempre os sapatos à porta).

Os nossos filhos, diferentes de nós, claro, tiveram de resistir ao pior de mim e adotar o melhor dos dois, com a sorte de a mãe ser uma educadora. Esta é mais uma das vantagens dos casamentos de culturas distantes.

Quem viveu em Macau de olhos abertos conhece a obsessão, o cuidado dos chineses em cumprir as regras de higiene pessoal. Mesmo os mais humildes. Os que, fugidos da miséria e do terror maoísta, eu vi nesses dias tão distantes a viver em barracas na lama. Das três ameaças maiores que aterrorizam há milénios os chineses, uma são as epidemias. Mataram milhões. Por isso aprenderam a defender-se delas.

Nos anos 60, quando ainda havia a sorte de encontrar uma empregada doméstica chinesa, a primeira exigência que faziam era… banho de imersão todos os dias! Por essa altura, muita gente entre nós só tomava banho ao domingo.

Nas culturas, acontece o mesmo que se verifica no casamento: a abertura ao outro enriquece-nos; e enriquece o outro, se se abrir a nós. Não são trocas iguais, mas ambos dão e recebem – sendo depois preciso cultivar o melhor.

Nas relações interculturais, como nas interpessoais, dar é receber.