Sem distância social, covid-19 podia causar mais de 70 mil mortes em Portugal

Investigadores do Imperial College London traçaram cenários para 202 países. Defendem que isolamento social precoce pode salvar milhões de vidas em todo o mundo e evitar colapso dos sistemas de saúde.

O mundo enfrenta uma emergência de saúde pública grave e a forma como os países responderem nas próximas semanas será crítica para influenciar as suas epidemias nacionais. Começa com este alerta um relatório publicado esta quinta-feira pelo Imperial College London, no Reino Unido, que traça cenários sobre o impacto da pandemia de covid-19 em 202 países. São cenários pesados e o objetivo, dizem, é contribuir para as decisões difíceis que os Governos têm de tomar.

Há uma semana, quando vieram a público as projeções da mesma equipa para o Reino Unido e os EUA, às quais foram atribuídas as mudanças de estratégia de Trump e Boris Johnson, soou o alerta de que o combate poderá ter de manter-se durante meses e que as medidas drásticas de supressão de contactos sociais, aliadas à capacidade de testar e isolar doentes, parecem ser a melhor hipótese de evitar o colapso dos sistemas de saúde e salvar o maior número de vidas. A posição deste grupo de peritos, que colabora com a Organização Mundial da Saúde, mantém-se: “As únicas abordagens que podem evitar a falência dos sistemas de saúde nos próximos meses são, provavelmente, as medidas intensivas de distanciamento social que estão atualmente a ser implementadas em muitos dos países mais afetados, preferencialmente combinadas com níveis elevados de testagem. É provável que tenham maior impacto se forem implementadas mais cedo”, concluem, reconhecendo, no entanto, que é preciso ter em conta a sua sustentabilidade. Os impactos socioeconómicos não são quantificados, mas serão “substanciais”, advertem.

 

Quatro cenários

Com a ressalva de que não está a fazer previsões, mas a modelar cenários que “ilustram a magnitude do problema”, a equipa analisou a escala que a epidemia pode assumir em quatro cenários distintos – e que nas últimas semanas passaram a fazer parte do debate público.

O primeiro, sem mitigação, era aquele em que os países não tomavam nenhuma medida além de tentar cuidar dos doentes. No segundo, implementam-se medidas de distanciamento social. No terceiro, essas medidas são reforçadas sobretudo na população mais velha (os idosos reduzem os seus contactos sociais em 60%). E, no quarto, pressupõe-se uma redução dos contactos interpessoais na população em geral em 75%, para suprimir rapidamente a transmissão, mantendo-se a preocupação de isolar e tratar doentes.

Para este último cenário, que começou por ser implementado na Ásia e chegou na última semana à Europa, a equipa introduziu dois fatores para perceber se é relevante avançar para medidas drásticas aos primeiros casos ou esperar: num cenário estudado, os países implementam medidas numa fase precoce da epidemia (quando se verificam 0,2 mortes por milhão de habitantes); no outro, quando já passaram a barreira das 1,6 mortes por milhão de habitantes.

 

Os números

Há semanas que a OMS alerta para o perigo de nada ser feito e os números do Imperial College London dão agora corpo aos avisos: na ausência de quaisquer intervenções, os investigadores estimam que até ao final deste ano, o novo coronavírus teria infetado 7 mil milhões de pessoas, causando 40 milhões de mortes em todo o mundo.

Os cenários de mitigação – de distanciamento social dos mais idosos mas em que a redução de contactos no resto da população fosse na ordem dos 40% – poderiam reduzir o impacto para metade, projetam, mas mesmo neste cenário os serviços de saúde da maioria dos países entram em colapso, em particular daqueles que têm menos recursos. No cenário de rápida supressão, a pandemia torna-se gerível – mas terá um impacto maior sobre os países com menos recursos.

Na modelação para Portugal, a equipa estima que no cenário em que não haveria qualquer intervenção – e assumindo uma taxa de reprodução do vírus de 2,4 (cada doente infeta pelo menos duas pessoas, como foi estudado na China), mais de sete milhões de portugueses seriam infetados nos próximos meses e o país ultrapassaria as 70 mil mortes por covid-19.

Nos cenários de mitigação, o número de mortes é reduzido para menos de metade, mas é necessário garantir no pico de casos capacidade para 30 mil doentes em estado crítico. Na estratégia de supressão surgem os cenários menos gravosos, que ainda assim implicam milhares de casos.

Admitindo uma estratégia precoce de supressão que fosse eficaz, os investigadores apontam para 698 mil pessoas infetadas no país e 3800 mortes. No pico de infeções, poderia ser necessário garantir cuidados críticos a 1365 doentes, estimando-se que seriam necessárias 21 mil hospitalizações. Em Portugal, o estado de emergência foi decretado quando se registavam duas mortes no país, dentro da janela analisada pelos investigadores, ao contrário do que aconteceu em Espanha ou Itália, onde foi implementado mais tardiamente.

Na Europa, os investigadores estimam que tomar medidas de supressão precocemente pode significar uma diferença entre 279 mil e 1,3 milhões de mortes. Os investigadores assinalam, no entanto, que tudo indica que as medidas têm de ser prolongadas no tempo e que uma supressão temporária ou a ausência de estratégias de vigilância e isolamento poderiam fazer ressurgir a epidemia. “Estratégias de supressão terão de ser mantidas de alguma forma até que vacinas ou tratamentos eficazes estejam disponíveis para evitar o risco de outras epidemias. A nossa análise evidencia as decisões difíceis que todos os Governos enfrentarão nas próximas semanas ou meses, mas demonstra a extensão em que medidas rápidas, decisivas e uma ação coletiva podem salvar milhões de vidas.” O relatório está a ser analisado pela Direção-Geral da Saúde, que também tem desenvolvido modelos para a epidemia com metodologias comuns a este documento, disse ao i fonte oficial.