O futuro cativo de um vírus…

Raramente foi tão necessária a cabeça fria a governantes e a governados. O estado de emergência e a clausura imposta para tentar travar o alastramento da epidemia têm vindo a exigir nervos de aço a todos. E nem todos o conseguem.

A juntar às conferências de imprensa diárias da DGS, o primeiro-ministro tem-se desdobrado, também, em entrevistas e declarações públicas, a dar conta das medidas adotadas pelo Governo para enfrentar a crise sanitária, com milhares de empresas de portas fechadas ou em regime de serviços mínimos, e as populações cativas em casa.

É justo reconhecer que António Costa tem conseguido corrigir alguns passos em falso anteriores, embora confunda, por vezes, os desejos com a realidade. Anunciar que não se está a olhar a despesas para encomendar material de proteção e de testes poderá sossegar alguns espíritos. Mas garantir que «até agora não faltou nada no SNS e não é previsível que venha a faltar» é uma fuga ao ‘estado das coisas’ no terreno, experimentado por médicos e enfermeiros.

Perante a curva ascendente do gráfico dos infetados, importa saber que o Governo não cruzou os braços – nem poderia – e que as autoridades de Saúde estão a fazer ‘das fraquezas forças’ para manter a situação sob controlo. Mas convém não adoçar as arestas, para não se ficar refém de promessas inviáveis.

Escrever-se que não há memória de nada parecido – nem sequer na emergência declarada em Novembro de 1975 – é obviamente uma banalidade.

Prever-se que o pós-coronavírus ficará condicionado por uma espessa crise económica e financeira sem precedentes – que nos fará sorrir do ‘abalo sísmico’ provocado pela falência da Lehman Brothers, em 2008 –, também não será a ‘descoberta da pólvora’. O próprio primeiro-ministro, de mansinho, já o admitiu.

A recessão que se anuncia – mesmo se formos poupados aos efeitos mais dantescos do covid-19, em número de vítimas – vai marcar o futuro próximo dos portugueses, há muito rendidos às maravilhas do consumo e ao crédito fácil.

Com o retraimento do turismo, que será duradouro, cujos benefícios para o tesouro são bem conhecidos (14,6 % do PIB em 2018 e 9% do emprego nacional), as numerosas falências que se adivinham farão disparar o desemprego, desde o setor hoteleiro aos operadores de viagens, à restauração, ao comércio de artigos de luxo, e a uma panóplia alargada de empresas de serviços.

Ninguém duvide que a recuperação será muito lenta, a confirmarem-se as previsões oficiais da pandemia não estar circunscrita antes de Junho. A miragem de lucros rápidos, ‘às cavalitas’ da ideia feita de Portugal ‘estar na moda’, fonte de muitas ilusões – e de não pouca especulação imobiliária –, tem os dias contados.

As sequelas da paralisia continuada de boa parte da atividade económica – que, no melhor cenário, reabrirá a ‘meio gás’ à boca do Verão – são de momento imprevisíveis.

O rombo na tesouraria das empresas será enorme, a quebra de exportações afetará um dos polos mais dinâmicos da nossa economia, o afundamento na procura irá atingir o comércio em geral, excetuando o de bens alimentares ou essenciais para as rotinas quotidianas.

A quebra de movimento para metade, verificada na rede Multibanco, é um indicador já fiável da depressão próxima. O ‘tsunami’ comporta um potencial arrasador. Sem ‘boias’ que valham, como advertiu o primeiro-ministro.

Se restar algum economista que ainda se atreva a vaticinar uma recuperação rápida neste contexto, arrisca-se a cair no completo descrédito ou a ser tomado por leviano.

Desenha-se um futuro tão complexo, quer em Portugal quer noutros países europeus mais flagelados pela pandemia, que as exigências da CGTP, apregoadas pela nova líder Isabel Camarinha, poderão ser tomadas como uma piada de mau gosto.

Arménio Carlos voltou a tempo à Carris, de onde era oriundo, depois de passar o testemunho a uma sindicalista profissional. É uma espécie de ‘beata’, educada na obediência à ‘igreja’ do PCP. E os devotos vivem num casulo, fora do mundo real.

Há quem anteveja, sem ser muito arguto, que dobrado o ‘pico’ da doença se imporá um governo de salvação nacional, uma coligação PS-PSD ou, no mínimo, um governo com apoio parlamentar maioritário, que será naturalmente à direita, porque não é da natureza das esquerdas estar ao lado da austeridade.

Rui Rio oferece ‘de bandeja’ o seu ‘pronto a vestir’, em nome do interesse nacional, embora António Costa tenha dificuldade em aceitar esse fato.

Cabe a Marcelo Rebelo de Sousa um papel crucial nesta cruzada. Acabaram-se os afetos e as ‘selfies’. O país espera do Presidente que esteja à altura de prevenir as ‘ondas de choque’ de um mais do que provável cativeiro prolongado. Será o seu grande desafio. E o nosso.