Ficar em casa está a dar resultado

Primeiro travão no crescimento exponencial de casos notou-se dias depois de os portugueses começarem a ficar em casa. Marcelo disse que há razões para premiar o esforço. Como se pode perceber o impacto?

A curva de novos casos confirmados de covid-19 no país vai continuar a subir e Portugal vai enfrentar este mês a fase mais crítica da epidemia. Apesar de até ao pico ser esperado um progressivo aumento dos casos, são os sinais de abrandamento nessa escalada que têm vindo a reforçar a ideia de que o isolamento social pode diminuir o impacto de uma epidemia que, de outra forma, teria um crescimento ainda mais exponencial. Marcelo Rebelo de Sousa disse ontem que essa foi uma das conclusões dos especialistas com quem esteve reunido e falou de uma “boa notícia” que vem premiar o esforço dos portugueses que assumiram a “tarefa coletiva” de praticar a autocontenção – ficar em casa, a palavra de ordem dos últimos tempos. Mas como visualizar esse efeito?

O investigador Francesc Pujol, diretor do Programa de Economia, Liderança e Governação da Faculdade de Economia da Universidade de Navarra, lançou nos últimos dias a proposta de uma nova representação gráfica da epidemia, propondo gráficos que ajudem a perceber de uma forma mais intuitiva o impacto dos comportamentos da população. “Os gráficos tendem a mostrar uma sensação de derrota, e isso não é a realidade total”, disse no Twitter.

Pujol propôs assim que em vez de divulgar apenas gráficos a partir da evolução dos casos confirmados, se mostre o ritmo de crescimento dos casos a cada quatro dias, sendo a meta mais imediata conseguir-se a estabilização: o dia em que os novos casos estabilizam e deixam de crescer, o pico ou planalto. Nessa perspetiva, a primeira meta é quando os novos casos, ao fim de x dias, se multiplicam por 1, ou seja, os números estabilizam e, espera-se, comecem depois a descer. Pujol dava então o exemplo: no final da semana passada, os casos confirmados de covid-19 em Itália multiplicavam-se por 1,47 a cada quatro dias (+47%) quando, oito dias antes, ainda duplicavam a quatro dias. O cenário era grave, mas mais perto da meta. “Devemos ter em conta que a informação que é dada ao público sobre o vírus tem um impacto direto no seu comportamento individual, na sua aceitação de sacrifícios como o confinamento, bem como outras limitações impostas e o seu impacto psicológico”, defendeu.

Premiar o esforço mas continuar Por cá, a análise também pode ser feita. Óscar Felgueiras, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e investigador na área das doenças infecciosas, ajuda a adaptar a leitura à realidade nacional e a perceber que ilações se podem tirar. A partir da proposta de Pujol é possível fazer diferentes representações gráficas sobre o ritmo de evolução da covid-19 em Portugal, com a ressalva de que é preciso ter em conta que os dados sobre casos confirmados num determinado dia não refletem exatamente a epidemia – além de se reportarem ao número de infetados em dias anteriores, dificuldades na realização de testes podem, por exemplo, fazer com que num dia haja menos casos confirmados e no dia seguinte surgir um ajuste. Daí ser importante analisar a tendência em conjuntos de dias, explica o matemático. “Ajuda a suavizar a tendência que se observa”, diz Óscar Felgueiras, exemplificando com o que se passou esta semana em Portugal: na segunda-feira, os casos confirmados aumentaram 7% e, ontem, 16%, chegando-se aos 7446 doentes. A situação agravou-se? “Não. O que se observa é uma continuação da tendência de abrandamento de crescimento”.

Para perceber a evolução da covid-19 em Portugal, Óscar Felgueiras propõe que se utilize uma janela temporal de cinco dias, já que era esse o tempo médio entre sintomas e diagnóstico numa primeira fase da epidemia, que permite perceber com mais precisão a partir de que data se começa a quebrar a tendência de um aumento exponencial do número de infetados.

Fazendo essa análise, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto assinala que a mudança mais expressiva na evolução de casos se notou a 18 de março (ver gráfico). Foi o dia em que foi declarado o estado de emergência em Portugal, mas essa parte é uma coincidência: o que o gráfico ajuda a perceber é que o fecho de universidades e escolas e o teletrabalho nos cinco dias anteriores permitiu, “muito provavelmente”, pôr um primeiro travão no aumento exponencial de pessoas infetadas. Desde então, o travão tem sido ainda mais pressionado. “Neste momento conseguimos perceber que depois de uma tendência de crescimento exponencial temos uma clara tendência de abrandamento de crescimento de casos, mas o que também nos diz é que as medidas e sacrifícios de população terão de manter-se no futuro imediato, de modo a não pôr em causa a tendência atual, o que poderia levar a um aumento de casos de forma imprevisível”.

Quando chegará o pico? Óscar Felgueiras diz que tudo dependerá dos próximos dias mas, mantendo-se a atual tendência, poderá ocorrer em breve, no espaço de duas semanas. Ontem, Marcelo admitiu que poderia ocorrer mais cedo. Mas o investigador que tem estado a modelar a epidemia faz a ressalva que tem ressoado nos últimos dias: “Chegarmos ao pico, mesmo se conseguirmos controlar o número de casos, será a fase mais crítica, em que mais gente acorre aos hospitais. E o que fazer depois terá de ser analisado com cautela”.