Orpheu ou Europa! A opção que temos de fazer

Nos tempos que vamos vivendo é difícil, se não impossível, fugir ao assunto de momento: a crise pandémica, provocada pelo covid-19, que está a assolar e assustar quase toda a humanidade.

Estamos assim condicionados a tratar este ‘único’ tema, apesar da enorme dificuldade em encontrar perspetivas novas, pois tudo o que já se sabe (e não é muito), já foi dito e o que é preciso saber-se, não pode ainda ser dito, porque permanece desconhecido.

Esta é uma crise global que afeta, praticamente, todos os países do mundo, e em especial os países da União Europeia, e afeta-os de uma forma simétrica o que significa que a maioria dos instrumentos de política económica e social, pensados para ocorrer a crises assimétricas, são inaplicáveis ou pouco eficientes nesta situação.

À partida esta característica é uma desvantagem, pois exige a criação de novas ferramentas e a mobilização de recursos mais poderosos, mas, na medida em que a sua natureza é universal, acabará por impor um nível de solidariedade e entreajuda maiores.

Ultrapassada a fase do choque inicial, em que a iniciativa competiu aos estados, às regiões, às comunidades e até às instituições mais localizadas, é necessário passar rapidamente para soluções conjuntas mais eficazes.

Ora esta necessidade é particularmente sentida no espaço europeu, seja ao nível da saúde publica – apesar de a política de saúde não ser, segundo os Tratados, nem uma competência exclusiva nem partilhada da UE – seja ao nível das políticas económicas e sociais, mesmo que nestes domínios as competências (nacional e europeia) se encontrem em estreita cooperação, quando não estão mesmo em integração absoluta.

Dada a dimensão desta tragédia, as reações iniciais teriam de ser, como foram, de origem doméstica ou nacional. Foi obviamente o que aconteceu, em primeiro lugar no combate à epidemia sanitária e, a seguir, progressivamente, na tentativa de travar a epidemia económica que surgirá a seguir, como consequência da primeira. Só que as soluções ‘locais’ vão tornar-se, rapidamente, insuficientes.

Este padrão comportamental foi reproduzido em todas as situações concretas e em todas as regiões, mas já se reconhecem que as intervenções domésticas, em exclusividade, só servem para ganhar tempo até haver soluções supranacionais.

Em Portugal, não é este o momento próprio, para discutir responsabilidades ou relevar especiais capacidades na abordagem da crise, porque, neste caso, o sucesso das políticas públicas é relevante e determinante para o futuro de todos nós, não devendo, por isso, originar momentos de fratura social e política. É, no entanto indiscutível que a crise sanitária encontrou o nosso SNS enfraquecido e esse facto ocasionou, pelo menos inicialmente, grande descoordenação e inaceitável improvisação e que o mesmo, se pode dizer relativamente à crise económica e social que se anunciam.

É certo que as medidas posteriormente assumidas tem conseguido atenuar o pânico e, até, em certo sentido, a insegurança, mas começa a ficar claro que chegou a hora de associar ao esforço nacional a indispensável solidariedade europeia.

O SNS não aguentará, sem ajuda para reforçar equipamentos e meios de tratamentos, a enorme pressão que resultará do agravamento e prolongamento da pandemia.

A sociedade não conseguirá, sem apoios financeiros e novos instrumentos comunitários de intervenção rápida, ultrapassar uma crise económica e social que, no mínimo, conduzirá, num ano, a um défice orçamental de pelo menos 4%, com o agravamento consequente da já elevada dívida pública, a uma quebra do PIB à volta de 6% e a uma taxa de desemprego que será representada, outra vez, por um número com dois dígitos.

Por isso, a partir de agora uma parte da responsabilidade tem de ser assumida pela União Europeia pois é, também, não haja dúvidas, o seu futuro que está em jogo.

Será que a Europa vai sobreviver à crise? Seguramente que sim, mas para que tal seja viável é indispensável romper com comportamentos, alterar regras, eliminar burocracias paralisantes e, mesmo, substituir protagonistas. A inação ou intervenção insuficiente ou tardia, terá como resultado, não apenas um desastre económico, mas, sobretudo, um desastre moral.

Em 1915, os intelectuais portugueses que divulgaram o modernismo (Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e outros) lançaram uma revista de periodicidade trimestral; hesitaram inicialmente sobre o título da publicação tendo Europa ou Orpheu como alternativas. Optaram por Orpheu (o Deus grego da poesia e da música) e, dadas as circunstâncias, terão optado bem.

Hoje, contudo, não há alternativa; a opção só pode ser a Europa (mais Europa) mas tem de ser uma opção de todos e para benefício de todos, porque a salvação ou é coletiva ou não é salvação.