O fim de uma civilização?

Não sou dado a acreditar em castigos divinos, mas há muito que se percebia que a nossa civilização caminhava contra uma parede.

O meu artigo da semana passada na coluna Política a Sério tinha por título: O nosso modo de vida acabou. E explicava que muitos dos nossos hábitos não voltarão tão depressa a ser o que eram. Passaremos a olhar para os intrusos de lado, pensando que poderão ser portadores de doenças estranhas; não viajaremos para destinos esquisitos como o Camboja ou o Vietname, com medo de sermos contagiados por qualquer vírus desconhecido; passaremos a ir menos a grandes concentrações de gente, como os festivais de música, e a entrar menos nas lojas chinesas; Marcelo Rebelo de Sousa dará muito menos beijinhos (ou nenhuns) e tirará muito menos selfies.

Ou seja: muitos de nós – a começar pelo Presidente da República – teremos de nos ‘reinventar’.

Alguns leitores escreveram-me a contestar esta visão tão crua. Argumentaram que o homem sempre soube adaptar-se às circunstâncias – e foi ultrapassando todas as vicissitudes por que passou: guerras, catástrofes naturais, mudanças de clima, doenças, perseguições.

É completamente verdade.

Senão, não estaríamos aqui…

Mas também é verdade que houve civilizações que acabaram. E acabaram quando parecia estarem no ponto mais alto do seu desenvolvimento e da sua expansão. Não é preciso irmos mais longe: basta pensar em Roma. Tinha atingido um desenvolvimento técnico impensável, visível em todos os campos – construíam-se prédios de dez andares e quarenta metros de altura – e tinha projetado o seu modo de vida a milhares de quilómetros de distância, levando a sua cultura a pontos remotos do Globo. 

Mas se a ascensão tinha sido lenta e difícil, a queda do império foi rápida. E hoje a Itália é o que se vê… 

A civilização Ocidental também conheceu na segunda metade do século XX e neste início de século XXI um desenvolvimento tecnológico ímpar e a sua cultura universalizou-se. Mas ao mesmo tempo, no centro, começou a apresentar sinais inequívocos de doença. 

A natalidade caiu e as sociedades começaram a envelhecer. A célula-base da sociedade, a família, começou a desfazer-se. As depressões vulgarizaram-se e os antidepressivos e ansiolíticos passaram a ser consumidos em massa. O consumo de drogas duras tornou-se corrente em certos meios. A violência doméstica alastrou. 

E, noutro plano, começaram a observar-se fenómenos tão ridículos como comprar nas lojas roupas rotas, ou usar calças a meio das nádegas, ou furar a língua ou o sexo para pôr argolas, ou mesmo injetar gel no couro cabeludo para simular tumores na cabeça. 

Noutro plano ainda, organizavam-se paradas para ostentação da homossexualidade ou perseguiam-se pessoas por assédios verificados há 30 anos ou mais.

Tudo isto eram sintomas de uma doença grave que atingia o Ocidente no seu próprio centro. Por isso pressentia-se que alguma coisa estava para acontecer. Esta loucura, esta vertigem tinha de ter um fim qualquer. Se não fosse assim, seria assado.

Não sou dado a acreditar em teorias da conspiração nem em castigos divinos. Por isso, não creio que este vírus tenha sido inventado em laboratório para lançar o caos no Ocidente, nem que tenha sido enviado por um deus qualquer como castigo do nosso paganismo.

Mas acredito que a nossa civilização, pelo menos tal como a conhecemos, pode estar a chegar ao fim. Não o ser humano, evidentemente. Mas uma cultura que atingiu o seu ponto mais alto no Renascimento e que desde aí entrou em declínio. É certo que a tecnologia continuou a desenvolver-se, ultrapassando todos os limites do que era possível imaginar; mas isso também acontecia, como se disse, com as civilizações que morreram: estavam no ponto mais alto do seu desenvolvimento técnico. 

E note-se que não faço esta previsão hoje, neste tempo de incerteza. Há muito que vinha alertando para que caminhávamos contra uma parede, só não se sabendo quando seria o choque. Todos os sinais insensatos que recolhíamos, coisas que não faziam sentido, dinheiro gasto em extravagâncias ridículas, gigantesco desperdício, brutais desigualdades, a ideologia do politicamente correto, tudo apontava para um fim não muito distante, na medida em que o absurdo pode impor-se durante um período mas não pode durar indefinidamente.

Agora, pelo menos, um certo modo de vida acabou.