Lesbos. Os refugiados aguardam impotentes a tragédia que se anuncia

Não há registo de casos no campo de refugiados em Lesbos, na Grécia, mas a dez quilómetros já morreu uma pessoa.

Filas para comer; filas para tomar banho. Tendas e contentores de metal com seis, oito ou dez pessoas. Casas de banho partilhadas por mais de cem. Numa fase em que se exige distanciamento social, o retrato do campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, faz antever uma nova tragédia humanitária. Construído para albergar três mil refugiados, as mais recentes estimativas das organizações não-governamentais no terreno apontam que vivam ali mais de 19 mil, a maioria mulheres e crianças. Com o veloz alastrar da covid-19, estima-se que seja uma questão de tempo até que a pandemia irrompa pelo campo de refugiados. “Trata-se de uma bomba sanitária”, disse o Governo grego. 

Para melhor compreender o potencial de contágio (e catástrofe), o campo de refugiados de Moria tem uma densidade populacional de 203.000 habitantes por quilómetro quadrado (km2), enquanto a densidade no navio de cruzeiro Diamond Princess, com 3700 pessoas a bordo, atracado durante um mês no Japão, era de “apenas” 24.400 pessoas por km2 – uma proporção inferior em mais de oito vezes, que não evitou a contaminação de 712 passageiros e tripulantes e a morte de 11, depois de uma propagação relâmpago, calculada até quatro vezes superior a Wuhan, epicentro da doença. 

O medo aumentou, entretanto, com a primeira morte de uma mulher infetada pelo novo coronavírus em Lesbos. A vítima, de 76 anos, morreu no hospital de Mytilène (situado a apenas dez quilómetros de Moria). Na ilha há, neste momento, oito pessoas isoladas infetadas com a covid-19, embora as autoridades locais garantam que nenhum refugiado foi ainda infetado. A pandemia alastra, entretanto, no país, nomeadamente na Grécia continental e na região de Atenas. O último balanço oficial dá conta de 1415 infetados e 52 duas mortes por covid-19 no país.

Síria também preocupa. Os dados oficiais das autoridades de saúde sírias anunciam ao mundo a existência de 16 casos de covid-19 no país. Duas mortes e nenhuma recuperação. Mas num país mergulhado há nove anos na guerra, onde apenas metade dos hospitais está em funcionamento, e os meios de diagnóstico e tratamento são, em algumas zonas, praticamente inexistentes, não há quaisquer certezas. E a comunidade internacional olha para os números com dúvida e, sobretudo, preocupação.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede em Londres, anunciou a 10 de março o registo de casos nas províncias de Tartus, Damasco, Homs e Latakia, mas alega que o Governo de Bashar al-Assad terá dado ordens para proibir a divulgação destes dados. E até a relação próxima entre os Governos sírio e do Irão, um aliado militar de Bashar al-Assad, e um dos países mais afetados pela pandemia – com mais de 50 mil infetados e 3160 mortes confirmadas -, tem servido para aumentar a incógnita.

As Nações Unidas já reiteraram a sua “profunda preocupação” com o potencial impacto da pandemia do novo coronavírus no país, principalmente no noroeste do país, região de Idlib, onde se situam cerca de 200 campos de refugiados, ao longo da fronteira com a Turquia, habitados por 900 mil deslocados pela guerra civil. O campo de refugiados de Al Hol, com uma densidade populacional de 37 570 habitantes por km2 motiva preocupações, mas o potencial de contágio não se fica por aqui. 

Geir Pedersen, enviado especial das Nações Unidas à Síria, já veio apelar “a um cessar-fogo completo, imediato e em todo o território”, numa tentativa de evitar uma propagação da covid-19 em massa, que, segundo a organização, pode vir a afetar milhões em toda a Síria, em particular as populações mais vulneráveis, num país cujas últimas estimativas apontam para cerca de seis milhões de deslocados.