As Medidas polémicas nas prisões

Governo prevê libertar 10% dos reclusos que estão nas cadeias. Sindicatos consideram que isso não é suficiente e alertam para a possibilidade de um ‘oportunismo político’.

As Medidas polémicas nas prisões

Cerca de uma semana depois de confirmados os primeiros casos de infeção por covid-19 dentro das prisões, o Governo apresentou «medidas extraordinárias». Dentro das cadeias existem quase 13 mil reclusos – 800 deles têm mais de 60 anos – e a maioria dos estabelecimentos prisionais estão sobrelotados. Segundo a ministra da Justiça Francisca Van Dunem,  as medidas apresentadas vão permitir que cerca de 10% dos reclusos possam sair das prisões – com a maioria sujeita a pulseira eletrónica. Atualmente, nas prisões não há espaço para distanciamento social e, mesmo depois de aplicadas as medidas para aliviar o sistema prisional, vão estar dois reclusos por cela. «Não podemos garantir que os reclusos possam estar em celas individuais», referiu a ministra da Justiça em entrevista à RTP. 

Tendo em conta as propostas avançadas esta quinta-feira por António Costa, os reclusos que tenham sido condenados a penas de prisão inferiores ou iguais a dois anos podem ver as suas penas perdoadas. Assim como aqueles cujas penas terminam dentro de dois anos. «Naturalmente, esta medida não se aplica a quem tenha cometido crimes particularmente hediondos, como homicídio, violações, abuso de menores ou crimes de violência doméstica, nem se aplica a crimes que tenham sido cometidos por titulares de cargos políticos, por elementos da forças de segurança ou das forças armadas, por magistrados», explicou o primeiro-ministro. O facto de esta proposta se aplicar a crimes «de baixa danosidade social», diz o ministério da Justiça em comunicado, mantém «o direito dos cidadãos à segurança e tranquilidade públicas».

Neste âmbito, surge também a hipótese de regime especial de indulto das penas, tendo sido proposto «que o membro do Governo responsável pela área da justiça proponha ao Presidente da República o indulto, total ou parcial, da pena de prisão», explicou a tutela. Aqui, apenas os reclusos com 65 anos, ou mais, que sejam portadores de doença física ou psíquica estão incluídos. 

O Governo prevê também que sejam concedidas saídas precárias por um período de 45 dias. Esgotado esse tempo, o primeiro-ministro explicou que «as autoridades poderão antecipar a decisão de liberdade condicional» – uma decisão que ficará a cargo do tribunal de execução de penas. Por último, o Governo alertou para o facto de o condenado ficar «obrigado, durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, aceitando a vigilância dos serviços de reinserção social e dos órgãos de polícia criminal». 

A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) faz questão de sublinhar que as medidas elencadas esta quinta-feira por António Costa são exatamente as mesmas que a associação propôs no início de março. «Adiaram, por um mês, uma medida imprescindível, mas estamos esperançados que ainda se possa recuperar o tempo perdido», disse a APAR em comunicado. com o aumento do número de casos dentro das prisões, é preciso garantir que tanto reclusos, como guardas prisionais e funcionários têm acesso às devidas proteções. «As celas, ditas individuais, têm dois ou três reclusos, as camaratas, que deveriam ter quatro reclusos, têm, na realidade, doze ou mais», diz a associação, justificando a sua posição. 

A proposta de libertar presos com penas de prisão até dois anos – por crimes menores, como falta de carta de condução, não pagamento de multas, ou injúrias -, e de libertar aqueles cuja pena termina dentro de dois anos – excluindo os que cometeram crimes graves – «não só não provocará qualquer alarme social, mas pelo contrário, é uma medida consensual entre as pessoas de bem», defende a APAR. 

 

Libertação dos reclusos não resolve todos os problemas

As propostas do Governo são uma ajuda, mas alguns consideram que se desviam do objetivo de conter a pandemia. O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional lança o aviso de que «não é só a libertação dos reclusos que vai resolver os problemas». Ao SOL, Jorge Alves, presidente do sindicato, explicou que a maioria dos reclusos que cumprem penas inferiores a dois anos estão nas cadeias mais pequenas, como Guimarães ou Torres Novas, que habitualmente já têm poucos reclusos. «A ser assim, a sobrelotação das cadeias continua», alerta Jorge Alves, que acrescenta que os estabelecimentos prisionais mais pequenos podem ficar praticamente vazios. A ser assim, a alternativa deveria passar, segundo o sindicato dos guardas prisionais, pela «transferência de reclusos de Custóias, Coimbra, ou Paços de Ferreira» para as prisões com menos pessoas. 

«Para melhorar o combate à pandemia tem de se perceber de onde vão sair reclusos. Caso contrário, isto pode não passar de um aproveitamento político para o encerramento de algumas cadeias», explicou Jorge Alves. E o sindicato dá o exemplo do Estabelecimento Prisional de Lisboa, «que deveria ter encerrado no ano passado e continua aberto». Além disso, a ser considerada a possibilidade de transferir reclusos, é preciso ter também em conta de que forma serão feitas essas mesmas transferências num momento em que o número de casos de infeção por covid-19 aumenta diariamente.

De oportunismo fala também o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que, momentos antes de o Governo anunciar as suas propostas, considerou que «uma eventual proposta do Governo no sentido de concessão de um eventual perdão ou amnistia constituirá um oportunismo político para resolver problemas que não decorrem do estado de pandemia, mas de uma total falta de investimento no sistema prisional». 

Para o sindicato presidido por António Ventinhas, o objetivo deverá ser proteger os reclusos, guardas prisionais e outros funcionários do novo coronavírus e não aproveitar a situação para resolver o problema da sobrelotação das cadeias. Além disso, a ser colocada em prática a hipótese do perdão da pena, «para além de não ter um efeito tão imediato, representaria a necessidade de intervenção de um elevado número de magistrados e funcionários nos tribunais de execução de penas, únicos legalmente competentes para o efeito, contrariando a exigência de contenção que a todos é pedida».

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público elencou esta quinta-feira um conjunto de propostas à tutela – entre elas está a suspensão da pena de prisão subsidiária. 

 

Hospital ou hospital-prisão?

Há ainda outra questão apontada pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional: as saídas precárias de 45 dias. Se, durante a saída precária, um dos reclusos for internado devido a infeção por covid-19, Jorge Alves explica que ainda não se sabe como é que será resolvida essa situação – se o recluso fica no hospital, ou é transferido para o hospital-prisão, por exemplo.

Importante seria também, alerta o sindicato, que a tutela tomasse medidas relativamente aos guardas prisionais, já que continuam a entrar nas cadeias portuguesas três turnos por dia – aumentando assim a probabilidade de contágio dentro dos estabelecimentos prisionais.

 Recorde-se que a libertação de presos tem sido uma opção seguida por outros estados. A justiça francesa decidiu libertar antecipadamente cinco mil reclusos. Em França, 21 presos e meia centena de guardas prisionais já foram infetados com o novo coronavírus e, por isso, foram avaliadas e em alguns casos substituídas as penas daqueles que cumpriam  menos anos de prisão e daqueles que estão a dois meses de cumprir o total da pena de reclusão. 

Ainda que em maior escala, França vive o mesmo problema que Portugal: a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais. Em França, existem cerca de 70 mil presos para 61 mil lugares disponíveis nas prisões.