Mercado, Habitação e o Estado necessário

Tenderão a desaparecer os que andavam à espera para beneficiar da especulação deixando edifícios ruir, construindo produtos sem qualidade…

Enquanto durar a emergência da pandemia, o mercado de arrendamento em Portugal estará congelado para ninguém ficar sem casa no meio da crise de saúde pública. A legislação vigora durante o Estado de Emergência, assegurando apoios tanto a inquilinos como a senhorios que tenham quebras abruptas nos rendimentos. Por agora, fica a incerteza sobre os impactos da pandemia no mercado de habitação, depois de passarmos o pico da montanha. 

O mercado de habitação estava com valores médios superiores aos anteriores à crise imobiliária de 2008. A subida decorreu tanto da valorização especulativa das propriedades como de uma valorização efetiva. A incerteza do futuro deste mercado apoia-se, hoje, na esperança que a valorização efetiva tenha sido superior à valorização especulativa. 

Do ponto de vista urbanístico, especulação significa um aumento do valor de uma propriedade derivado apenas de flutuações do mercado, sem investimentos na propriedade. Nestes últimos anos, a especulação imobiliária cresceu com o aumento de dois hábitos globais, investimento imobiliário e turismo. Nas capitais europeias, o aumento da procura de investimentos imobiliários acontecia ao mesmo tempo que se reduzia a oferta, porque se passava a habitação existente para hotelaria ou alojamento local. 

As valorizações especulativas, por si, trazem vantagens aos proprietários, mas desvantagens sobre a sociedade quando criam uma grande diferença entre as rendas e a capacidade financeira das famílias. No entanto, a valorização especulativa pode provocar a valorização efetiva, ou seja, a subida do mercado pode estimular a requalificação física dos edifícios e do espaço público envolvente. 

A valorização efetiva tem impactos mais profundos na economia e na qualidade de vida, dinamizando empregos no setor da construção e melhorias do espaço para quem o habita. A história da cidade demonstra que quando se desenha e constrói bem arquitetura e cidade produz-se uma oferta de qualidade de vida que terá sempre procura, mais cedo ou mais tarde. 

Os novos hábitos digitais, induzidos à força na pandemia, sugerem ainda o renascimento de mercados distantes do centro, relembrando a possibilidade de trabalhar de casa para eliminar as deslocações que roubam anos de vida. Será uma vida possível, desde que: fiquem garantidas deslocações eficientes, ainda que menos frequentes; não se acredite em acumular o cuidado de crianças com teletrabalho; e se mantenham semanalmente contactos profissionais ao vivo, fundamentais para a criatividade e prosperidade dos negócios. Como indica Saskia Sassen, as ideias mais relevantes para os negócios nascem «nas conversas ao lado da máquina do café». 

Tenderão a desaparecer os que andavam à espera para beneficiar da especulação deixando edifícios ruir sobre os vizinhos, construindo produtos sem qualidade (rápido, barato e pela maximização do lucro), ou alugando anexos sem água canalizada a 300 euros por mês. Esperemos é que não se descubram, de novo, negócios montados ‘com o pelo do cão’ que acabem em crédito malparado e levem, como em 2011, a banca atrás.

O mercado voltará a funcionar livremente e o Estado terá de estar atento aos que ficam para trás. Não será o Estado totalitário, nem será o Estado omisso, será, como dizia esta semana o General Ramalho Eanes, «o Estado necessário».