António Lacerda Sales, secretário de estado da Saúde. ‘Temos de contar com alguns meses de contenção’

O secretário de Estado da Saúde assegura que o país vai estar preparado para enfrentar os piores cenários. António Lacerda Sales, médico e deputado antes de integrar o Governo, garante que a idade não será critério para decidir tratamentos em Portugal e que a proteção dos idosos será um dos maiores desafios desta crise.‘Nenhum país…

Os primeiros casos de covid-19 foram detetados em Portugal há um mês. Na altura havia a perspetiva de conseguir conter o vírus, mesmo com a epidemia já a alastrar de forma exponencial em Itália e depois do que se tinha visto na China. Houve demasiado otimismo?

Penso que não. Faz parte da nossa natureza termos sempre algum otimismo, mas neste caso isso não aconteceu. Quando ouvimos falar do surto na China começámos logo a tentar preparar-nos e a articular gradualmente planos. 

Durante muitas semanas disse-se na Europa que o risco de chegar cá era baixo, depois moderado. Isso fez baixar a guarda?

Somos oito mil milhões de pessoas. Tudo o que acontece no hemisfério Norte comporta o risco de passar ao Sul, do oriente ao ocidente. Ninguém num mundo global tem a veleidade de pensar que não lhe pode acontecer.

Não nos podíamos ter preparado melhor e mais cedo?
Fomo-nos preparando sabendo que era um surto dinâmico, flexível e que tínhamos de adotar medidas proporcionalmente. As necessidades surgiriam e teríamos de estar preparados para responder à evolução e penso que foi isso que fizemos.

Fazendo um primeiro balanço, não vê nenhum erro?

Seria irresponsável dizer se pode ter ou não havido erros. Se calhar havia coisas que podíamos ter feito melhor, mas fizemos muita coisa certa no tempo certo.

Estamos a passar a barreira dos 10 mil casos, com mais de 200 vítimas mortais, muitos idosos em lares que não resistiram à infeção. Havendo sinais positivos de algum abrandamento da epidemia, como se lida no Governo com uma realidade tão dura?

Com a determinação e a vontade de que possamos sempre ter números diferentes no dia a seguir. É essa a forma de lidar. Quando olhamos para o mundo e vemos um milhão de infetados, mais de 50 mil mortes, olhamos para nós e dizemos que temos os números que temos, mas estamos a fazer aquilo que achamos que devemos fazer para dar a resposta positiva que achamos que podemos dar. Isso de alguma forma, nunca nos tranquilizando, dá-nos pelo menos a serenidade de que estamos a fazer o melhor possível. 

Quantas horas têm tido estes seus dias?

Muitas, nunca dormi muitas horas, mas menos agora. 

Quais são neste momento as principais preocupações?

A maior preocupação neste momento é ter as estruturas o melhor preparadas possível para que tenhamos o menor número de casos fatais. Reforçar as medidas nos hospitais, reforçar as medidas que teremos agora neste novo período de estado de emergência, cumprirmos todos o distanciamento social, para conseguirmos ter o menor número de óbitos possível.

Um estudo do Imperial College estimou que, sem medidas, a epidemia poderia causar mais de 70 mil mortes em Portugal este ano. No cenário menos gravoso, em que são tomadas medidas precoces de supressão da transmissão, apontavam para 600 mil pessoas infetadas, a maioria sem sintomas, e 3800 vítimas mortais. Quais são os cenários com que estão a trabalhar?

Os cenários são fundamentais para podermos trabalhar e têm sido importantes para as medidas que temos tomado, temos a academia e extraordinários profissionais a fazer cenários. São dinâmicos e ajudam-nos essencialmente a estar preparados para o pior.

Mas por que não os divulgam? 

Os cenários são importantes para tomar decisões técnicas e políticas. E como já disse acho que tomámos medidas certas no tempo certo. Independentemente dos cenários, penso que dentro de pouco tempo iremos perceber isso.

Outros países têm partilhado cenários com a população, a Alemanha, o Reino Unido, até os EUA. Não seria uma forma de tornar até mais percetível o que está em causa no esforço que é pedido?

Não divulgamos cenários para não termos de explicar amanhã às pessoas que as previsões que fizemos podem não se concretizar hoje. Para não criar expectativas que podem não se concretizar.

Apesar de o crescimento de novos casos a abrandar, não há ainda certezas de que possa haver maior descontrolo da epidemia?

Não. Existe incerteza e até que tenhamos dados que nos permitam ver a luz ao fundo do túnel, como disse o primeiro-ministro, temos de ter cautela na interpretação dos dados.

Entrámos naquele que será o mês mais crítico da epidemia. Dentro dessa incerteza, o que devemos esperar?

Sabemos que terá de haver um reforço das medidas de contenção e distanciamento social e o que esperamos é reforçar a distribuição de equipamentos de proteção individual, melhorar o diagnóstico e capacidade de testagem, melhorar a capacidade de resposta dos hospitais e centros de saúde com uma maior articulação. Queremos reforçar as condições no lares e proteção dos nossos idosos, que são uma das maiores preocupações. Nenhum país humanista pode prescindir de o fazer e penso que teremos de sair desta crise com um outro respeito pelas pessoas mais velhas, transmitir isso aos jovens, preservar este património da humanidade.

Tendo em conta esse esforço e o tempo que aparentemente se ganhou com o abrandamento da curva, com os hospitais a reorganizarem-se, as universidades e indústria que está a produzir equipamentos, os privados disponíveis, capacidade de ventiladores duplicada, vai ser possível evitarmos a tragédia que se vive em Itália e Espanha em que os cuidados tiveram de ser racionados e os médicos tiveram de decidir quem salvar?

Não tenho uma bola de cristal, mas estamos preparados para dar uma resposta positiva aos piores cenários. Vai implicar muito esforço e o Governo não se vai poupar a esforços para que isso aconteça, a esforços financeiros, de meios técnicos e humanos. 

Se for preciso chegar ao racionamento de cuidados, quais são as regras?

Não há racionamento de cuidados.

Não há neste momento, mas em Itália houve, se chegarmos a um ponto limite em que a questão se coloque…

Não é racionamento, é racionalização quando muito, que é diferente. Nos cuidados intensivos existem práticas clínicas muito bem definidas. Queremos salvar vidas e o que é preciso ter presente é que a idade não é garantidamente um critério.

Quais são os critérios?
Existem critérios clínicos, há diferentes tipos de ventilação. Por vezes ventilar evasivamente um determinado tipo de doente com determinada patologia pode ser pior, mais agressivo, que outro tipo de tratamento em UCI como oxigenoterapia de alto fluxo. São critérios clínicos que estão bem definidos. Ninguém vai pôr o critério de que este doente é mais idoso e por isso tem de se optar por um mais novo. 

Dizia-nos um psicólogo do São João que as famílias já têm esse receio, veem as notícias.

Esqueça isso. A idade não é um critério. Não sou intensivista, sou de outra área de Medicina, mas isso está muito bem definido.

Apesar do abrandamento de casos, temos profissionais de saúde infetados e não parecemos estar longe da taxa de profissionais de saúde atingidos noutros países. Que dados tem?

Temos neste momento (quinta-feira) 1024 profissionais de saúde infetados, 206 médicos, 282 enfermeiros, os restantes assistentes, técnicos de diagnóstico e tenho de agradecer o esforço que está a ser feito por todos os grupos profissionais.

O primeiro-ministro disse na semana passada que não faltou material. É médico, conhece a realidade, perceberá que isso criou um sentimento de alguma revolta na frente de batalha. Como se pode dizer que não faltou material com tantos sinais de que esse material faltou, desde logo este número de profissionais infetados?

Nem sempre há uma correlação entre o número de profissionais de saúde infetados e equipamentos de proteção individual.

Nem sempre, mas existirá alguma.

Como existe generalizadamente em relação a todos os contactos sociais numa situação de transmissão comunitária como a que temos. Até que me apresentem prova disso, não me parece que haja relação entre o número de profissionais infetados e o material.

O que justifica então este número? Vimos esta semana uma reportagem de um hospital em Nápoles que não tem nenhum profissional infetado e a explicação era equipamento de proteção suficiente e circuitos bem definidos.

Também temos circuitos muito bem definidos. Nos hospitais de primeira linha, na primeira fase de contenção, já havia circuitos bem definidos, depois passou-se para a segunda linha e agora na fase de mitigação em que todos fazem tudo mas de uma forma articulada integrada, com circuitos covid e não covid.

Mas, por exemplo, o São João está a testar todos os doentes admitidos para internamento e já tem detetados casos que de outra forma poderiam expor profissionais de saúde. Noutros hospitais não se fazendo isto mesmo tendo zonas covid pode haver maior vulnerabilidade. 

Como sabe um teste de covid negativo pode não o ser passado três dias, temos de ter isso presente, sendo certo que estamos a reforçar a testagem e diagnóstico precoce.

Voltamos aos equipamentos de proteção, que têm de ser reforçados em todas as áreas. 

Não existe qualquer dúvida sobre isso, é por isso que estamos a reforçar encomendas de equipamentos de proteção individual e de testes. Chegaram 80 mil zaragatoas esta sexta-feira e estamos à espera de 400 mil. Na próxima semana chegam mais 200 mil testes. Na área dos equipamentos, estamos também a fazer um esforço de reforçar as encomendas, mas os equipamentos devem ser utilizados de uma forma racional.

Isso é diferente de dizer que não faltou material. 

Não quero estar a falar pelo senhor primeiro-ministro. Acho que o que o senhor primeiro-ministro queria dizer, e temos de fazer uma avaliação global, é que existe material e esse material será reforçado para proteger os profissionais. Estamos num momento muito dinâmico. Quando digo que temos encomendadas 400 mil zaragatoas, não sei se daqui a uma semana ou duas semanas serão suficientes.

Ou se estarão cá?

Penso que estarão cá, estão encomendadas. Embora o mercado tenha uma grande volatibilidade, as entregas têm acontecido.

Como têm sido essa gestão e negociações nos bastidores? 

Trabalhamos 24 sobre 24 horas. Não sou só eu que durmo pouco, há gente a trabalhar muito e a dormir menos do que eu. O mercado internacional neste momento é muito difícil e temos estado a negociar numa relação de custo-eficiência, preço mas sobretudo de qualidade, para não corrermos riscos com o material que vem. O material tem ser desde logo certificado mas tem sido todo validado pelos nossos especialistas, pelo Instituto Ricardo Jorge, com o Infarmed. Temos canais diplomáticos, nomeadamente com a China, que tem sido um interlocutor muito importante, e usamosestes canais em colaboração com outros ministérios e serviços. E portanto as aquisições têm sido garantidas. 

Os preços estão inflacionados?
Quando o mercado é deficitário, os preços aumentam.

Um ventilador quando custava e quanto custa hoje?

Os preços de ventiladores andam entre os 11 mil e os 20 mil euros, mas um ventilador topo de gama pode ir até aos 80 mil euros. Não consigo dizer em rigor se os preços estão muito inflacionados. 

Não tem havido atritos entre países?
De todo. Colaboramos sempre que podemos colaborar.

Vemos nas últimas semanas um movimento da academia e indústria para tentar tornar Portugal o mais autossuficiente possível.
Sim e deixe-me aproveitar esta oportunidade para agradecer à sociedade civil, às universidades e aos industriais portugueses que, numa situação muito difícil, estão a reconverter muito do que é o seu core business em tempos quase recorde. 

Ainda temos a ideia de não sermos um país com um indústria tão dinâmica.
E não é verdade. Temos indústria e que quer e pode vir a produzir ventiladores e zaragatoas. Temos empresas a converter o seu processo produtivo para equipamentos de proteção, batas, toucas, viseiras.

Será uma forma de manter liquidez, mas tem de ser mais do que isso com as fábricas e operários a laborar continuamente. É mais do que um instinto de sobrevivência.

É cidadania e consciência social e temos de ter um enorme reconhecimento aos nossos académicos e empresários. Temos pessoas muito bem preparadas em muitas áreas e temos de ter orgulho nisso.

Alguns investigadores sugerem que o pico de casos pode chegar nos próximos dias, que calha nesta altura da Páscoa em que habitualmente as pessoas se deslocavam para estar com a família, o que pode ser a tempestade perfeita para a trajetória se inverter. 

A mensagem essencial neste momento é que a Páscoa este ano tem de ser em casa, em recolhimento e convivência à distância.

Mas o pico pode chegar esta semana? O Governo disse que seria abril, depois maio.

Neste momento a mensagem é Páscoa em casa. É crucial mantermos esta contenção. 

Na próxima semana o Governo tomará uma decisão em relação às escolas. Que cenários estão em cima da mesa?
Tem de se colocar a pergunta à Educação.

A Saúde vai pronunciar-se.
Na devida altura. Neste momento há uma prorrogação da declaração do estado de emergência e temos de adotar e reforçar as medidas que já temos em função desse estado de emergência.

Mas se o pico for atingido algures este mês, será preciso os casos baixarem para se pensar no regresso a alguma normalidade.

Só sabemos se atingimos o pico quando começarmos a baixar, ninguém sabe ao certo quando é o pico antes disso.

Quando poderemos regressar a alguma normalidade? Em Inglaterra foi assumido pelas autoridades de Saúde que será preciso contar com pelo menos seis meses, ainda que as medidas não tenham de ser as atuais. Com o que devemos contar?

Com alguns meses de contenção. Temos de ter a seriedade e responsabilidade de dizer aos portugueses que devemos contar com alguns meses. Não sei dizer quantos são, se são cinco, quatro ou seis. 

Não necessariamente confinados a casa?

Nesta fase não podemos aliviar medidas e dado o dinamismo de evolução deste tipo de surto acho que só o devemos fazer quando tivermos a certeza de que estamos numa fase diferente. Até que tenhamos a certeza não o devemos fazer.

Essa certeza poderá existir antes de haver uma vacina?

Há duas maneiras de ter a cura para este surto: a vacina, temos de esperar por ela, tem havido alguma variabilidade nas previsões, fala-se de um ano, já se falou em setembro. A outra é a imunização natural. São as duas maneiras que temos e por isso é que a senhora Merkel falou de ser infetada 70% da população.

Que estratégia está a ser pensada para essa imunização natural? Um regresso faseado à normalidade? Testes para ver se as pessoas já está imunes, os certificados de imunidade de que se fala na Alemanha.

A estratégia agora é não aliviar as medidas de contenção e isolamento profilático sem que tenhamos algum grau de certeza de que não teremos por exemplo uma segunda onda. A estratégia é segurança. Não podemos correr o risco de andarmos a tomar decisões políticas intermitentes. 

Nesse sentido não é precipitado admitir que as escolas podem reabrir este ano letivo?

O pior que poderia acontecer era tomarmos decisões intermitentes, haver avanços e recuos. As decisões que tomámos foram bem tomadas, no tempo certo, e só deverão abrandar quando tivermos algum grau de garantia e de certeza de que não tenhamos depois de voltar a recuar.

Para já temos de ficar em casa na Páscoa, parece-lhe que podemos pensar em férias de verão?

Diria alguns meses, não sei dizer se são férias de verão ou de inverno.

Será que vamor poder passar o Natal em família?

Era bom que nos pudéssemos abraçar o mais depressa possível mas para nos abraçarmos o mais depressa possível temos de perceber que nesta fase temos de ter segurança. Isso é o fundamental e obtém-se com isolamento, com higienização, seguindo as orientações.

Os estudos para aferir a imunidade populacional quando serão iniciados?

Isso está a ser avaliado.

Mas para um regresso à normalidade, será necessária essa avaliação.

Sim. E a preocupação deverá ser proteger os mais idosos e os mais vulneráveis. Não podemos fazer essa imunização natural à custa dos mais idosos.

Terão de ficar mais resguardados.

Devem ser mais protegidos. Não só as pessoas mais idosas, mas as pessoas com comorbilidades, com insuficiências cardíacas, diabetes, hipertensão, doenças oncológicas.

A questão vai colocar-se desde logo nas escolas, onde temos uma classe docente envelhecida.

Vamos ter de nos adaptar e repensar muitas dessas matérias. E isso está a começar a ser pensado. Quando temos a prorrogação do estado de emergência todos os setores contribuem, a Saúde, a Educação, a Segurança Social e as políticas têm sido todas articuladas de forma intersetorial, envolvendo também as forças de segurança e as Forças Armadas, que são um pilar essencial na governança da logística operacional do país neste momento. E tenho de relevar também o papel que está a ser feito pelas autarquias e pelas estruturas locais, que têm sido fundamentais no apoio social e na articulação de respostas.

Esta semana houve uma crise com o Norte, com Rui Moreira a criticar a hipótese de haver um cerco sanitário no Porto e a pôr em causa a autoridade da direção-geral da Saúde. O presidente da Câmara de Ovar também se queixou de falta de apoio.

A questão do Porto foi uma má interpretação. O presidente da Câmara de Ovar tem feito um excelente trabalho, montou um hospital de campanha, geriu a situação nos lares, temos estado a trabalhar em articulação mas tem feito um trabalho extraordinário dentro de uma situação muito difícil. Podia dar-lhe exemplo de muitas outras câmaras que todos os dias estão a fazer coisas e que vão articulando as respostas com o Ministério da Saúde e com todas as entidades que estão no terreno

Com o Porto, já fizeram as pazes?

Não fizemos as pazes porque nunca estivemos zangados. Houve um deficit de comunicação. Nunca se colocou a questão do cerco sanitário no Porto. O que a diretora-geral da Saúde fez foi responder a uma pergunta que lhe foi colocada e que estava mal equacionada. O Norte tem sido um exemplo nesta luta, na vertente social, na saúde. O Hospital de São João tem estado muito bem preparado, a antecipar a resposta.

Os delegados de saúde pública sentiram-se desautorizados pela provedora de Justiça, que pôs em causa as decisões que estavam a ser tomadas no sentido de pedir aos emigrantes que fizessem isolamento. Decisões que o Ministério da Saúde revogou numa altura considerada crítica por quem está no terreno. O primeiro-ministro fez agora esse apelo. Esta contradição nas mensagens não arrisca ter um efeito contraproducente?

Importa sobretudo reforçar esse apelo aos emigrantes que sigam a ordem de saúde pública no país que é a de contenção para todos. 

O SNS teve de se adaptar para responder ao surto mas isso levou a que fossem canceladas milhares de consultas e cirurgias não urgentes. Em janeiro havia 50 mil pessoas à espera de operação há mais de um ano. O que está a ser pensado para mitigar o impacto sobre outros doentes?

Neste momento o nosso foco é combater este surto. 

Mas não se pode criar uma epidemia paralela? 

Claro. E diminuiu a atividade assistencial, mas não diminuiu tudo. Vamos no tempo devido articular um plano de recuperação.

Recorrendo ao setor privado?

Mobilizando todo o sistema de saúde, como já acontecia antes deste surto como o SIGIC. Neste momento somos todos SNS, não podemos desperdiçar contributos e disponibilidades. E havendo uma diminuição de atividade assistencial tem havido um reforço da atividade à distância, com o contacto com doentes crónicos, diabéticos. Se calhar nunca mais nada vai ser igual até a nível organizacional, em que podemos ser mais proativos. Se calhar é mais fácil, em alguns casos, fazer um contacto telefónico para o doente do que deixá-lo à espera de uma consulta dois ou três meses. 

O contacto não é essencial?

Claro. Mas em algumas situações, se podermos estar a ver e falar com o doente à distância, o que se perde? O aperto de mão? Penso que neste aspeto temos oportunidade para adotarmos procedimentos diferentes.
Imagino que todos os dias lhe cheguem relatos do terreno, bons e maus. O que o tem marcado mais?
Todos os dias recebo pedidos de ajuda, tento responder da melhor maneira. Falei esta semana da senhora de 93 anos que recuperou por poder ser um motivo de esperança para todos os portugueses, a idade não significa que as pessoas não possam recuperar. Mas o que marca muito são as manifestações de solidariedade que vão chegando de vários lados. 

Estaríamos hoje mais confortável se o SNS estivesse mais resiliente?

O SNS robusteceu nos últimos anos. Se fosse um processo continuo ao longo dos últimos 20 anos estaria mais, mas passámos por processos muito difíceis. Estamos a adaptar-nos e estamos a ficar mais fortes.

E na recessão que se seguirá, a saúde terá outro tratamento?

Acho que temos de tirar ilações: não há boa economia sem boa saúde como não há saúde sem economia. Temos de proteger os empregos e garantir proteção social.