Cortes salariais e dividendos suspensos

Banca está a seguir as recomendações do regulador e a conta-gotas vai anunciando o não pagamento de dividendos aos acionistas. Fora do sistema financeiro o cenário é diferente.

Com a economia a arrefecer e com perspetivas muito pouco animadoras em termos de crescimento para os próximos meses vamos assistindo ao anúncio de cortes salariais nas administrações das empresas e à não atribuição de dividendos este ano. Estas são algumas das soluções encontradas para compensar os efeitos da pandemia provocada pela covid-19. A Groundforce Portugal foi a última a revelar cortes de 30% na remuneração dos administradores executivos da empresa, no mesmo dia, em que anunciou que iria recorrer ao layoff para 85,6% dos seus trabalhadores (no total de 2.425 colaboradores).

Estas medidas, segundo a empresa de handling, permitem «garantir que os postos de trabalho, para todos as funções e cargos, estão assegurados durante 60 dias após a sua implementação (ou extensão das mesmas)» e entraram em vigor esta sexta-feira.

Mas a estrear-se nestes anúncios esteve o Santander em Espanha com Ana Botín e José António Alvarez, respetivamente líder do grupo Santander e o presidente executivo do banco em Espanha, a anunciarem um corte de 50% nos seus salários em 2020. Já os administradores não executivos do banco terão um corte de 20% nas suas remunerações. No ano passado, o valor da remuneração de Ana Botín foi de 9,95 milhões de euros, valor que diminuiu 5,05% relativamente ao total auferido em 2018 (10,48 milhões). Já António Alvarez auferiu 8,27 milhões do ano de 2019, valor inferior em 4,3% à remuneração do ano anterior (8,64 milhões).

O que é certo é que apesar destes cortes, os salários ficam ainda muito acima dos valores recebidos pelos banqueiros em Portugal. A média dos banqueiros dos cinco maiores bancos portugueses ronda os 653 mil euros. Tendo em conta os valores de 2018, o líder do BPI Pablo Forero auferiu 943.990 euros, seguido por Vieira Monteiro, do Santander Totta, que recebeu 676 mil euros (acrescidos de 313 mil euros variável). 

Já Miguel Maya, do Millennium bcp fixou-se em 587.166 euros, enquanto o salário de Paulo Macedo, da Caixa Geral de Depósitos, situou-se nos 423.000 euros e António Ramalho, do Novo Banco nos 382.400 euros. 

Feitas as contas, mesmo com o salário suspenso em 50%, Botin continua a ganhar sete vezes mais do que a média dos maiores banqueiros em Portugal e Álvarez seis vezes mais. 

Esta solução de cortes salariais também foi seguido pelo grupo de media espanhol Prisa, que detém a Media Capital, dona da TVI, ao reduzir a remuneração dos seus administradores em 20%, enquanto a remuneração anual do presidente executivo foi alvo de redução em cerca de 35%. 

Pagamento de dividendos suspensos

O BCP deu o tiro de partida ao anunciar que não vai pagar os dividendos aos acionistas, depois de ter registado um aumento dos lucros em 0,3% para 302 milhões de euros em 2019. A proposta vai ser posta à consideração na assembleia geral marcada para o dia 20 de maio, mas a instituição financeira liderada por Miguel Maya diz que medida «visa garantir que o banco está mais preparado para fazer face ao presente contexto de incerteza». No entanto garante que «uma vez ultrapassada a crise e na medida em que o banco e a economia nacional iniciem a sua recuperação, retomar a política de dividendos aprovada». Para já, vai manter compensação aos trabalhadores, a quem vai pagar até 1.000 euros, pelos cortes salariais entre 2014 e 2017.

 Já a Caixa Geral de Depósitos anunciou que vai recomendar ao conselho de administração a não distribuição de dividendos de cerca de 300 milhões de euros relativos ao exercício de 2019, após ter apresentado um lucro de quase 800 milhões de euros. A proposta será deliberada em assembleia-geral, que ainda não está marcada. O banco liderado por Paulo Macedo garantiu que «em linha com a orientação do Banco Central Europeu, auscultado o acionista, a comissão executiva da CGD vai recomendar ao conselho de administração que proponha em assembleia-geral a integração em reservas livres da totalidade do resultado líquido distribuível de 2019, permitindo assim a sua incorporação integral nos rácios de capital da Caixa», acrescentando que, «deste modo reforça a sua capacidade para apoiar as famílias e as empresas nesta conjuntura particularmente exigente».

Também o Santander, a par dos cortes na administração, revelou que para não comprometer recursos que sejam necessários para apoiar no combate ao coronavírus «e apoiar as empresas e famílias que necessite», decidiu que não vai pagar dividendos. Em causa estavam 1,7 mil milhões de euros a serem distribuídos pelos acionistas do banco espanhol. Já o Santander Totta que paga dividendos à casa-mãe espanhola deverá seguir o mesmo caminho.
No entanto, não são apenas os grandes bancos que estão limitados na distribuição de dividendos aos seus acionistas. O Banco de Portugal já veio deixar uma recomendação às instituições menos significativas, as que não estão diretamente sob a supervisão do Banco Central Europeu, para não pagarem dividendos pelo menos até outubro. E justificou esta medida com «a capacidade para absorverem potenciais perdas num ambiente de incerteza».
Já na semana passada, o Banco Central Europeu (BCE) pediu aos bancos dos 19 países da zona euro para não pagarem dividendos, numa recomendação que deve ser aplicada, «pelo menos, até 1 de outubro».Recorde-se que BCE supervisiona diretamente os maiores bancos da zona euro (chamadas instituições significativas, que em Portugal são a Caixa Geral de Depósitos, BCP, Novo Banco), enquanto os bancos centrais de cada país (no caso o Banco de Portugal) supervisiona as menos significativas.

Para já, só o BPI admitiu que iria pagar os dividendos ao acionista Caixa Bank no valor de 117 milhões de euros.

Contraciclo

Fora do setor financeiro, algumas empresas cotadas no PSI20 vão mantendo a sua distribuição normal de dividendos. É o caso dos CTT que tem previsto o pagamento de 11 cêntimos por ação referente aos resultados de 2019, um aumento de 10% face ao no ano anterior. A decisão foi criticada pela Comissão de Trabalhadores dos Correios ao considerar que «esses 16,5 milhões serão bem mais úteis se ficarem na empresa, neste quadro de crise, provocada pela covid-19, cujo impacto nas receitas da empresa será inevitável e extremamente negativo».

Também a Navigator vai pagar dividendos de 13,94 cêntimos por ação, ainda assim, metade da remuneração que pagou aos acionistas no ano passado, depois da redução do lucro registado em 2019. No entanto, a empresa garante que até à data, «o grupo não detetou no seu volume de vendas de papel, pasta e tissue qualquer impacto que possa decorrer da covid-19».

O mesmo caminho é seguido pelo setor energético. A EDP Renováveis aprovou em assembleia-geral um dividendo de oito cêntimos. Já a EDP tem em cima da mesa uma proposta para pagar aos acionistas 19 cêntimos por ação, enquanto a REN anunciou o pagamento de dividendos de 17,1 cêntimos. 

Mas há outros casos. A Jerónimo Martins vai pagar um dividendo de 34,5 euros por ação e a Galp Energia vai manter a proposta de distribuição de dividendos de 0,70 euros por ação. No entanto, a petrolífera deixa em aberto a possibilidade de vir a enquadrar a política de distribuição de dividendos «à nova realidade».

Só a Novabase recuou na intenção de propor aos acionistas o pagamento de um dividendo de 0,85 euros por cada ação, relativamente ao exercício de 2019, devido à incerteza criada pela epidemia de coronavírus.