Barómetro revela que profissionais de saúde suspeitos de ter sido infectados com covid-19 não estão a ter o acompanhamento adequado

Último estudo do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública mostra que mais de 60% dos casos suspeitos em profissionais de Saúde não foram submetidos a vigilância ativa

O último Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública centrou-se no impacto da infecção nos profissionais de saúde e o inquérito feito a mais de quatro mil profissionais conclui que apenas 60% dos casos considerados suspeitos após contacto de risco com pessoas infetadas foram submetidos a vigilância ativa e apenas um quarto fez o teste nas primeiras 24 horas. Em comunicado, a ENSP revela ainda que num momento em que os profissionais de saúde registam níveis elevados de ansiedade e pressão, quase 40% dos inquiridos reportou ausência de apoio dos Serviços de Saúde Ocupacional.

O questionário recolheu, entre os dias 2 e 10 de abril, 4.212 respostas de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes operacionais, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos e profissionais das carreiras laboratoriais. Destes, 36,7% trabalham em áreas dedicadas ao tratamento de doentes ou suspeitos COVID-19, nomeadamente em Cuidados Primários (39,1%), Urgências (31,8%), Enfermarias (21,7%), em Unidades de Cuidados Intensivos (12,6%) e em outros locais (19,5%).

“A realidade concreta aponta para que mais de 10% de todos os infetados sejam profissionais de saúde que, para além de constituir um grupo de risco específico quando a doença é contraída na prestação de cuidados aos doentes pode, na atual fase pandémica, também constituir potencial risco para os seus contactos”, assinalam, em comunicado, os responsáveis pelo Departamento de Saúde Ocupacional e Ambiental da ENSP, através de Florentino Serranheira, coordenador executivo do estudo.

Uma amostra do que se passa nos hospitais e centros de saúde – e as normas que não são cumpridas

Nesta amostra de mais de 4000 profissionais, o questionário encontrou uma percentagem de 13,6% de pessoas que foram consideradas casos suspeitos. Destas, o grupo maior são enfermeiros (35,1%), seguido de médicos (18,9%). Destes profissionais que declararam ter tido contactos de risco, apenas 38,6% foram submetidos a vigilância ativa por parte das entidades responsáveis, os Serviços de Saúde Ocupacional e/ou as Autoridades de Saúde, destacando-se que, entre os que trabalham em área de doentes COVID-19, somente 40% foram vigiados de forma ativa.

O estudo conclui ainda que 34,1% não realizaram a automonitorização diária dos sintomas, medida que consta, desde o dia 21 de março, das orientações da Direção-Geral de Saúde. Assinala-se que no grupo profissional dos assistentes operacionais essa percentagem atinge 46,7%, sendo também a 15% de casos suspeitos.

Dos testados (73,3%) apenas um quarto realizou o teste nas primeiras 24 horas, tendo quase 30% realizado o teste mais de 72 horas após a suspeição, "inclusivamente alguns trabalhando em área dedicada a doentes (ou suspeitos) COVID-19", refere a Escola Nacional de Saúde Público. Entre os inquiridos, 64 profissionais de saúde testaram positivo para o vírus.

Florentino Serranheira considera que a ausência de resposta de serviços de saúde ocupacional é reveladora "das fragilidades organizacionais em Saúde Ocupacional, ou mesmo a sua inexistência”. Entre os profissionais de súde inquiridos, cerca de metade consideram haver uma disponibilidade moderada de equipamentos de proteção individual – máscaras, viseiras, luvas, etc., e um terço (30,5%) consideraram que o material disponível é insuficiente. Nas áreas dedicadas à COVID o sentimento de que existe material em quantidade suficiente aumenta: metade dos profissionais, considera a disponibilidade destes equipamentos mais adequada, sendo considerada insuficiente por apenas 24,7%.

Cansados mas apoiados pelos colegas

76,7% dos profissionais inquiridos reportou níveis de fadiga moderados a elevados mas dois terços responderam que ainda se sentem em condições para tomar decisões rápidas no contexto da prestação de cuidados e a maioria afirmou poder contar com um bom suporte dos colegas (84,6%). A ENSP destaca no entanto que apenas 2,2% dos respondentes apresentam níveis de ansiedade normais, com mais de dois terços (68,8%) a apresentar ansiedade acima do normal. "São os médicos o grupo de profissionais de saúde com maiores níveis de ansiedade, ainda que essa diferença não seja significativa. Em áreas dedicadas a doentes ou suspeitos COVID-19 os mais elevados valores de ansiedade são reportados em áreas de Cuidados Primários (35,4%) seguidos pelos que trabalham em Urgências Hospitalares (18%)."

A ENSP adianta que o grupo de investigação do Barómetro Covid-19 da Saúde Ocupacional vai continuar a focar-se neste grupo de profissionais, com o lançamento de um novo questionário na próxima quinta-feira. O objetivo “é criar conhecimento científico que possa ser útil para os Serviços de Saúde Ocupacional, para as Unidades de Saúde e para os decisores em políticas públicas de saúde, tendo em vista a proteção dos profissionais de saúde”, diz Florentino Serranheira.

No final da semana passada a Direção Geral da Saude revelou que, até à última sexta-feira, tinham sido reportados 1.849 casos de infecção entre profissionais de saúde, o que na altura representava 11,5% dos casos confirmados no país.