A vítima e os algozes

É quase inconcebível como um ser humano pode planear friamente, e depois executar metodicamente, a morte de outro ser humano (…)  E na semana passada foram duas raparigas, de 19 e 23 anos, que cometeram um crime hediondo, talvez o pior de todos. A vítima era um jovem de 21 anos, de nome Diogo Gonçalves,…

As histórias de crime sempre me atraíram. Não as histórias ficcionadas – nunca fui grande leitor de romances policiais – mas as histórias verdadeiras. Intriga-me o que pode levar uma pessoa a matar outra. Ainda se compreende que, no meio de uma rixa, com a adrenalina no máximo, isso possa acontecer. Ou debaixo da cegueira da paixão ou do ciúme, num momento de loucura. Mas a frio, numa ação programada, custa-me muito a perceber. É quase inconcebível como um ser humano pode planear friamente, e depois executar metodicamente, a morte de outro ser humano.

Recentemente, porém, têm-se multiplicado estes casos. Foi a rapariga que matou a mãe adotiva e tentou depois queimar o cadáver. Foi a viúva Rosa que matou o marido e o levou para um lugar ermo, fingindo depois que o procurava. E na semana passada foram duas raparigas, de 19 e 23 anos, que cometeram um crime hediondo, talvez o pior de todos.

A vítima era um jovem de 21 anos, de nome Diogo Gonçalves, informático, que trabalhava num hotel no Algarve. Vivia em Algoz – estranho nome para quem se irá cruzar com pessoas sem contemplações que lhe irão roubar a vida. 

Diogo ficara órfão há quatro anos – quando a mãe fora atropelada na zona de Albufeira por um carro onde seguiam dois homens, que fugiram do local só vindo a ser presos mais tarde. Na sequência disso, receberia uma indemnização de 70 mil euros. Mas mais uma vez a sorte ser-lhe-ia madrasta: o dinheiro recebido transformar-se-ia no leit motiv do seu assassínio… 

No hotel onde trabalhava, Diogo Gonçalves conheceu uma jovem de 18 anos, Maria Malveiro, que lá fazia segurança. Ele estava carente após a perda da mãe, e o seu feitio tímido tornava-o mais vulnerável. Foi, pois, sem surpresa que se apaixonou pela rapariga. E é natural que ela se tenha comovido com a sua história – capaz de despertar numa mulher, mesmo jovem, sentimentos maternais.

Sucede que Maria Malveiro vivia com uma amiga, Mariana Fonseca, quatro anos mais velha, com a qual mantinha uma relação amorosa. E certamente contou-lhe a história do rapaz e a ‘corte’ que este lhe fazia – acendendo no espírito da namorada a luz amarela do ciúme. 

Tudo o que Mariana não desejaria é que a companheira se tomasse de amores por um homem. 

Maria Malveiro também terá falado à outra da morte violenta da mãe de Diogo e da indemnização que este recebera. E aqui, na cabeça de Mariana, a cobiça do dinheiro e a desconfiança do ciúme ter-se-ão misturado para produzir um cocktail explosivo. 

Sem querer ser injusto, admito que a ideia do crime terá nascido na cabeça de Mariana Fonseca, que terá induzido depois a amiga a praticá-lo. Assim, mataria dois coelhos de uma cajadada: suprimiria o ‘rival’ e apropriar-se-ia, em conjunto com a namorada, de dezenas de milhares de euros.

Para executar o plano, Maria Malveiro deslocou-se a casa do rapaz em Algoz e, a pretexto de uma brincadeira qualquer – eventualmente, um jogo sexual -, amarrou-o a uma cadeira. Aí, o jovem não terá suspeitado de nada. Depois, a rapariga começou a sufocá-lo – e ele terá continuado a não suspeitar, pois há muita gente que se excita assim. Até que a pressão se tornou maior – e aí ele começou a não achar graça à brincadeira. Reagiu e conseguiu libertar-se.

Nesse momento, porém, a amiga de Maria chegou.

As duas atiraram-se ao rapaz, ele agarrou Mariana, mas Maria – beneficiando do seu treino como segurança – imobilizou-o, apertou-lhe o pescoço e asfixiou-o até à morte.

Depois transportaram o corpo para casa delas e iniciaram a segunda fase da operação.

Se na primeira fase tinham sido preciosos os conhecimentos de Maria em matéria de segurança pessoal, aqui virão ao de cima os conhecimentos de Mariana, de profissão enfermeira. 

Maria Malveiro sai de casa e, industriada pela companheira, vai a um supermercado comprar um cutelo próprio para cortar peças de carne. Regressa, entrega o cutelo à amiga, e esta, segundo o plano traçado com antecedência, corta dois dedos do corpo do rapaz para poderem aceder à sua conta bancária. 

De posse dos dedos, o passo que se segue é o ‘tratamento’ a dar ao cadáver para facilitar o modo de se desfazerem dele.

Mariana, puxando das noções de anatomia, corta com a ajuda de Maria o corpo aos bocados: cabeça para um lado, tronco para outro, pernas e braços para outro ainda. Metem os pedaços em sacos separados, como se fossem lixo, e – para dificultarem o reconhecimento -, vão deitá-los ao mar em locais diferentes: o tronco numa ponta do Algarve, em Sagres, a cabeça a 150 km de distância, perto de Tavira, noutro sítio com um nome terrível: Pego do Inferno. 

Mas, para azar delas, a cabeça e o tronco serão encontrados no mesmo dia – e a PJ rapidamente desvendará o crime. E as duas jovens serão presas.

Sempre fui contra a pena de morte e continuo a ser. Tirar a vida a alguém é uma fronteira que não devemos transpor. Mas, para crimes diabólicos como este, qualquer outra pena parece demasiado leve.