Biblioteca Pessoal: O mundo numa bola de vidro

O que mais me agradou foi o de Marte – pela riqueza das cores e reflexos iridescentes. Gosto de o segurar na mão, de lhe sentir o peso, e de imaginar que é uma espécie de universo fechado. Apesar das conotações bélicas de Marte, transmite-me tranquilidade.

Nestas semanas em que tenho trabalhado a partir de casa, escrevo no pequeno escritório que montei e que pensei muitas vezes estar talvez condenado a eu nunca lhe dar o devido uso. Ao alcance da mão encontro alguns objetos que fui reunindo ao longo dos anos: desde um mini dragão de brincar que me foi trazido do Japão há três décadas a simples postais de museus e outras ofertas ou aquisições a que atribuo um especial significado. Uma delas é um pesa-papéis com uma história relativamente curiosa. No ano de 2000, em Nova Iorque, vi numa numa daquelas enormes avenidas, na montra de uma loja, um pesa-papéis particularmente bem feito que representava a Lua. Mas fui apreçá-lo e achei-o demasiado caro. Isto foi quase no início da viagem. Como é evidente, arrependi-me, e passei os restantes dias inquieto a ver se encontrava o tal pesa-papéis lunar noutra loja. Sem sucesso.

Por que nos fascinam tanto estes objetos? Parecem ter algo de relaxante e exercem uma forte atração, creio eu, sobre os espíritos mais contemplativos. Opinião semelhante tinha o escritor norte-americano Truman Capote, que um dia, recomendado por Jean Cocteau, foi recebido pela veterana Colette. Grande apreciadora e colecionadora de pesa-papéis, tinha em sua casa cerca de uma centena deles dispostos em duas mesas, uma de cada lado da cama: «esferas de cristal aprisionando lagartos verdes, libelinhas, salamandras, bouquets millefiore, um cesto de peras». Como o seu jovem visitante americano se mostrou interessado, ela mostrou-lhe um exemplar de uma «pureza maravilhosa», do tamanho de uma bola de basebol.

«O que é que isto lhe faz lembrar? Que pensamentos lhe acorrem à mente?», perguntou-lhe Colette.

«Não sei. Gosto da sensação. Calmo e pacífico», disse ele.

«Pacífico, é muito verdade. Pensei várias vezes que gostaria de os levar comigo para o caixão, como um faraó».

O exemplar em causa era de cristal Baccarat com uma rosa branca ao centro, rodeada de folhas verdes. Quando Colette insistiu com ele, Capote disse que lhe fazia lembrar «rapariguinhas em vestidos de primeira comunhão».

Essa tirada valeu-lhe levar como recordação o cobiçado prémio, que estaria na origem de um «passatempo dispendioso» que levaria Capote «das opulentas salas da Sotheby’s a antiquários obscuros em Copenhaga e Hong Kong».

Regresso à minha secretária. O penúltimo dia da viagem aos EUA foi passado em Washington, DC, e calhou a um domingo: a única loja por que passámos que poderia ter pesa-papéis  estava fechada. Mas a seguir ao almoço visitámos o National Air and Space Museum. Ao aproximar-me da loja tive quase a certeza de que encontraria o objeto desejado. Não me enganei. Além do pesa-papéis da Lua, havia a coleção inteira, com todos os planetas do sistema solar. O que mais me agradou foi o de Marte – pela riqueza das cores e reflexos iridescentes. Gosto de o segurar na mão, de lhe sentir o peso, e de imaginar que é uma espécie de universo fechado. Apesar das conotações bélicas de Marte, transmite-me tranquilidade. É como se um planeta inteiro coubesse no interior daquela bola de vidro.

Andanças com Heródoto. Ryszard Kapuscinski
Com um olho clínico para reparar nas pessoas e nas coisas aparentemente insignificantes – o porteiro de um prédio, uma ventoinha no teto, os vários tipos de insetos que martirizam o europeu na noite africana – Kapuscinski possuía um verdadeiro dom para tornar próximo aquilo que é distante. Neste caso, transporta-nos para cidades mais ou menos exóticas, de Pequim a Adis Abeba, de Benares a Dar es Salam. Ofio condutor é o volume das Histórias de Heródoto que o acompanha nestas viagens e no qual procura apoio «nos momentos de incerteza». «A maneira como escrevia faz-nos pensar em alguém agradável, curioso com o mundo, alguém que faz sempre muitas perguntas e está disposto a andar milhares de quilómetros para encontrar uma resposta. Os paralelos entre o ‘pai da História’ e o repórter polaco não são coincidência.
 

Editora Livros do Brasil 
Preço 17,70€

O Pequeno Livro dos Buracos Negros. Steven S. Gubser e Frans Pretorius

A 3 de agosto de 2019, uma queda de mais de 200 metros durante a escalada de um pico perto de Chamonix, em França, quando a corda de segurança se partiu, levou à morte de um cidadão americano de 47 anos. A vítima era o brilhante cientista Steven S. Gubser, professor de Física em Princeton e especialista em mecânica quântica, teoria da relatividade, teoria das cordas e buracos negros. Antes do seu desaparecimento, porém, Gubser condensou parte dos seus conhecimentos neste O Pequeno Livro dos Buracos Negros, que escreveu em parceria com Frans Pretorius, também professor de Física naquela prestigiada universidade. Embora nem todo o conteúdo esteja ao alcance do leigo, o esforço dos autores para tornar acessível este tema complexo é notável – e as páginas finais, em forma de carta a Albert Einstein (que curiosamente apenas acreditava neles como hipótese teórica), fazem uma síntese das descobertas feitas nas últimas décadas acerca destes estranhos corpos. Uma das quais, o facto surpreendente de «os buracos negros não serem mesmo negros».

Editora Gradiva 
Preço 15€