Choque Digital de Reanimação

Para reanimar a economia e ganhar produtividade perdida é mesmo necessário um choque digital.

Os próximos quinze dias do estado de emergência servem para reinventar a economia do novo normal, garantindo saúde pública, pessoas a trabalhar, empresas a produzir e Estado a funcionar.

De Bruxelas, chega a mensagem que as pessoas e as empresas paradas pelo covid-19 não ficarão para trás. Ursula von der Leyen foi frontal, anunciando apoios a pessoas, empresas e Estados e pedindo desculpas coletivas pelas falhas da Europa. Depois de dezenas de milhares de mortos, e com as assimetrias das dívidas de cada país a acicatar a tensão no seio da União, estas palavras podem parecer pouco; no entanto, em política as palavras têm peso económico. Aquilo que é difícil resolver a 27 seria pior sem os outros 26, inimaginável sem as garantias do Banco Central Europeu, e inexistente sem a voz clara da Presidente da Comissão.

Resta assegurar que o apoio chega antes da pobreza e da fome baterem à porta de quem não tem. Esta é uma missão para os autarcas, na linha da frente da ação política. Das Câmaras e das Juntas, são os olhos atentos nas cidades e nas aldeias e a voz de quem não tem, dando corpo no terreno ao sentido personalista do sonho europeu.

Ao Governo cabe a organização rápida e eficiente dos procedimentos, o que, sendo difícil em tempos de pandemia, é quase contranatura para a nossa cultura burocrática enquistada e traumatizada por promessas de simplex. Mas hoje, para reanimar a economia e ganhar produtividade perdida é mesmo necessário um choque digital que simplifique e agilize os procedimentos de toda a administração pública.

No mês passado, o Governo apresentou quatro objetivos para a transição digital do Estado: «aA digitalização dos 25 serviços públicos mais utilizados, tradução para inglês de websites da administração pública, estratégia cloud para administração pública, e simplificação de contratação de serviços de tecnologia de informação». Mais do que modestos, estes são objetivos estratégicos para 2005, não para 2020.
 
Um choque digital na máquina do Estado passa por decretar que a relação do cidadão com a administração pública é, por princípio, digital, seja na entrega de documentos, seja em tele-reuniões presenciais, dando o prazo de seis meses a cada serviço para: (1) identificar necessidades de formação digital e aquisição de produtos ou serviços e (2) apresentar um plano de redução de 10% a 20% dos passos da tramitação dos procedimentos reduzindo, consequentemente, o tempo de apreciação em igual medida.

Os procedimentos que o Governo montou, no meio da dificuldade desta crise pandémica, ilustram como não basta digitalizar, sendo de igual importância tanto a simplificação como a recusa de ‘vias-verdes’. Nos apoios a empresas, depois de dias para entenderem procedimentos e de verem aprovados os seus pedidos, os empresários não tinham recebido o dinheiro porque estava, segundo o ministro, em ‘procedimentos’. O TV Fest , um programa do Governo que pretendia distribuir um milhão de euros por vários músicos, acabou submerso em protestos e anulado. Assentava num processo de escolha subjetiva, uma ‘via-verde’ nos procedimentos que era uma verdadeira autoestrada de iniquidade, separando escolhidos de não-escolhidos.

As crises não são oportunidades e só oferecem sofrimento às gerações que as atravessam. No entanto, é preciso coragem, determinação, rigor e competência para ganhar tempo perdido e recuperar o sonho de futuro.