Maria de Sousa. O caminho da excelência

1939-2020 

No início de abril, já infetada pelo vírus, Maria de Sousa escreveu um poema. Bateu as palavras em inglês, língua também sua, por força da carreira que abraçou. «Porque posso morrer e vós tereis de viver/ Na vossa vida a esperança da minha duração», diziam os dois últimos versos, que antecipavam efetivamente aqueles que seriam os seus últimos dias. A imunologista morreu na passada terça-feira, na unidade de cuidados intensivos do hospital de São José, em Lisboa. Tinha 81 anos.

Nascida em Lisboa, a 17 de outubro de 1939, Maria de Sousa começou por estudar piano antes de abraçar a medicina e a investigação e de se tornar numa das mais importantes cientistas portuguesas. Licenciou-se pela Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1963, e dali saiu para prosseguir a sua formação. Como bolseira da Gulbenkian, seguiu para os Laboratórios de Biologia Experimental em Mill Hill, em Londres. E foi ali que, em 1966, publicou um artigo científico que continua atual e que foi um grande passo para o campo da imunologia, e que versava sobre a descoberta da hoje chamada área T. Doutorou-se de seguida nesta mesma área na Universidade de Glasgow antes de rumar para os Estados Unidos, onde foi professora Associada na Escola de Estudos Pós-graduados do Cornell Medical College (Nova Iorque). Em simultâneo, tornou-se diretora do Laboratório de Ecologia Celular no Instituto Sloan Kettering de Investigação em Cancro, em Nova Iorque. 

Voltou a Portugal em 1984 para responder ao desafio do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto, onde fundou o mestrado em Imunologia. Dirigiu depois uma investigação pioneira no campo da hemocromatose, repartida entre o ICBAS, pelo Hospital Geral de Santo António, e o Instituto de Biologia Celular e Molecular. Continuou a sua carreira sempre como docente e investigadora e orientou centenas de alunos, que a descreviam como uma tutora exigente, mas justa. Deixou uma vasta obra científica publicada, mas era uma mulher de interesses em outras latitudes, que passavam também pela arte.

A investigadora emérita do Instituto i3S e professora Catedrática Jubilada do ICBAS recebeu inúmeros prémios internacionais e foi condecorada ao longo da sua vida por por três Presidentes da República. A última destas distinções, a Grã-Cruz da Ordem Militar de San’tiago de Espada, foi-lhe atribuída em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa. A condecoração visou distinguir o mérito literário, científico e artístico de Maria de Sousa. 

«Mas antes de morrer/Quero que saibam/O quanto gosto de vós», disse Maria de Sousa naquele derradeiro poema.