A Emergência acrítica do Estado

É necessário o Governo acelerar o que já pedimos há muitas semanas: um plano de abertura gradual da economia.

Muitos têm aproveitado este momento de crise para, usando uma política de medo em vez de uma política de consciencialização das pessoas, expandir a sua agenda e notoriedade política.

A um nível mais básico, pouco demorou a ouvirmos os grupos mais à esquerda a clamar por nacionalizações e requisições. A um nível mais grave, tivemos o Presidente da República a decretar o Estado de Emergência, abrindo portas a medidas que em nada têm que ver com o combate à epidemia, como controlo de preços, racionamento de produtos, fim do direito à resistência, requisições de empresas, alterações arbitrárias a contratos, possibilidade de obrigar as pessoas a ir trabalhar noutro local e noutras condições, entre outras.

As medidas reais de combate à epidemia poderiam ter sido tomadas, e muitas foram-no, sem a declaração do estado de emergência, dado que já tinham enquadramento legal. Na verdade, o Estado de Emergência é apenas um instrumento de defesa jurídica do Estado que foi usado como arma política, onde se passam demasiadas linhas vermelhas, e isso foi ocultado dos portugueses, daí a Iniciativa Liberal ter votado contra a sua renovação. Está aberto o precedente, e bem sabemos como medidas temporárias vindas do Estado se podem tornar permanentes ou, pelo menos, recorrentes.

Agora é necessário o Governo acelerar aquilo que já pedimos para ser preparado há muitas semanas: um plano de abertura gradual da economia como vários países europeus já comunicaram. Para isso penso que têm de estar reunidas no mínimo três condições:

– Em primeiro, é preciso haver transparência, ter dados de confiança e dados abertos a cientistas. A Iniciativa Liberal tem insistido muito nisto e, apesar de já ter passado quase um mês da promessa do primeiro-ministro, o pouco que foi feito é visto pela comunidade científica como burocrático e insuficiente. Teme-se que os dados sejam poucos e cheguem tarde, tornando-se inúteis no combate à epidemia.

– Em segundo lugar, precisamos urgentemente de uma estratégia de testes, ou seja, definir quem, quando, como e em que situações alguém vai ser testado. Sem testes, virológicos e serológicos, não podemos gerir a resposta do sistema de saúde nos próximos trimestres, nem proteger os profissionais de saúde e demais trabalhadores a prestar serviços essenciais. Sem testes, também não poderemos tomar decisões informadas sobre o regresso gradual à atividade, pois só com testes poderemos, por exemplo, gerir a reabertura de escolas, evitar que uma empresa pare de laborar por ter um empregado infetado ou restabelecer circulação entre países, para o regresso de negócios e turistas.

– Em terceiro lugar, não podemos aceitar ideia que circulou, inspirada nalguns países asiáticos e a fazer lembrar o Big Brother de Orwell, de suspender o direito à proteção de dados pessoais para permitir o rastreio por georreferenciação e a utilização de dados não anonimizados das operadores de telecomunicações. O que a Iniciativa Liberal defende é um plano de rastreio de contact tracing onde seria possível às pessoas saberem quando uma pessoa com quem estiveram tenha sido infetada. Este sistema funciona à base de IDs temporários, com dados guardados apenas no smartphone da pessoa e via Bluetooth, garantindo assim que não é possível a localização geográfica e protegendo a privacidade dos cidadãos.

A vigilância deve servir sobretudo ao contrário: é o Governo que deve ser fiscalizado. É com este espírito crítico, por um lado, mas apresentando soluções alternativas, por outro, que temos trabalhado. A união em torno de um problema não significa subserviência perante o Estado.

O estado de emergência não pode levar à emergência acrítica do Estado.

por Cotrim Figueiredo
Deputado da Iniciativa Liberal