O nosso Serviço Nacional de Saúde em tempos de covid-19

Iniciei a minha profissão de médico nos hospitais públicos a 1 de janeiro de 1979. Percorri todas as etapas da carreira médica hospitalar, desempenhando variadas funções. A 15 de setembro de 1979, fui co-fundador do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), a que ainda hoje me orgulho de pertencer.

Nestes mais de 40 anos, assisti a inegáveis progressos, bem documentados pela extraordinária redução da mortalidade infantil e pelo significativo aumento da esperança média de vida população.

Claro que, para isso, além do SNS universal e acessível a todos, contribuiu, de forma decisiva, a melhoria generalizada das condições de vida de todos nós.

Com intenções e interesses vários, o SNS, nos últimos tempos, vinha sendo menorizado e até estigmatizado, felizmente, quase sempre, por causas menores. Num assunto tão sensível quanto alarmante, como a Saúde, transforma-se o episódio casuístico, obviamente lamentável, de um acidente individual numa avaria no funcionamento global do SNS, que é garantia, constante e permanente, da Saúde nacional.

É a necessária robustez e o imenso ecletismo do SNS que têm estado, sobretudo por maus motivos, em constante discussão.

Muitas das questões são levantadas sem um genuíno objetivo de melhorar o SNS e/ou de esclarecer a opinião pública. Tem-se preferido deixar no ar a suspeição e a dúvida no que respeita à eficiência e prontidão dos serviços públicos de Saúde e à competência e dedicação dos profissionais que neles trabalham. O resultado só pode minar a confiança de quem deles necessita e a eles acorre todos os dias.

Ora, a covid-19 veio, na sua dimensão pandémica e potencialmente letal, oferecer-nos uma experiência, dolorosamente ‘in vivo’, que servirá para testar, de forma clara e irrefutável, o SNS e os seus profissionais. No panorama negro dos países com mais de mil casos registados por milhão de habitantes, em que nos encontramos, verifica-se que a mortalidade é inferior à nossa em apenas cinco deles – Dinamarca, Áustria, Alemanha, Áustria, Noruega e Estónia. Os outros, como Irlanda, EUA, Holanda, Reino Unido, Suíça, França e Bélgica, para não falarmos dos mártires Itália, Espanha e o Estado de Nova Iorque, apresentam mortalidades duas a nove vezes mais elevadas.

Se a estes factos juntarmos o índice de envelhecimento, Portugal ocupa o terceiro lugar, abaixo da Itália e da Alemanha e muito acima da média europeia. Sabendo-se que a infeliz mortalidade por covid-19 ocorre, sobretudo, em cidadãos idosos, os números portugueses são, na realidade, preciosos, demonstrando bem a eficiência do SNS, mesmo sob condições de extrema e inigualável pressão.

Portugal, a par com a Espanha, ocupa o 11.º lugar na Europa em termos de investimento em cuidados de saúde. Isto significa que há muitos países que, com bastante mais, estão a fazer bem menos.

Estes resultados, ainda que temporalmente limitados e, por isso, provisórios, fundamentam a confiança que podemos ter na competência e a na capacidade do SNS para suportar e resistir a este imenso cataclismo sanitário. Em tempos de covid-19, o nosso SNS parece, afinal, estar bem de saúde.

por Jaime C. Branco
Médico Reumatologista Professor Catedrático e Diretor da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa