Vergonha

E, antecipando-me, desde já, aos costumeiros melgas que irão invocar que é o ódio ao 25 de Abril que me move, esta minha repugnância pelos parlamentares que não quiseram prescindir de uma festa, que se realiza em pleno período de estado de emergência, nada tem a ver com as suas opções políticas!

O presidente da auto-intitulada casa da democracia parece não gostar da palavra vergonha. Sente-se incomodado quando ela é proferida, mas, bem o sabemos, somente se sair da boca de alguém que não faça parte do grupo dos seus correligionários.

Temos pena, porque vergonha é exactamente o que sinto por o ter como segunda figura do Estado.

E, disso tenho a certeza, não estou sozinho, grande parte dos portugueses, se não a maioria, também sente repulsa por o ver sentado na primeira cadeira parlamentar.

Mas também tenho vergonha, e igualmente tenho a percepção de que este sentimento é generalizado, de todos os deputados, sem excepção, que aprovaram a proposta para que o parlamento, hoje, esteja engalanado para comemorar o aniversário de um golpe de estado ocorrido há quase meio século.

E, antecipando-me, desde já, aos costumeiros melgas que irão invocar que é o ódio ao 25 de Abril que me move, esta minha repugnância pelos parlamentares que não quiseram prescindir de uma festa, que se realiza em pleno período de estado de emergência, nada tem a ver com as suas opções políticas!

Como amante da liberdade, defendo o direito que assiste a qualquer um em festejar o marco histórico no qual se revê, mas as regras impostas a toda uma comunidade, em tempo de excepção, são gerais e universais. Têm que se aplicar a todos!

Não se podem exigir sacrifícios a todos os portugueses, ficando daqueles excluídos um pequeno grupo somente porque, tendo sido ele a decretar as medidas restritivas, delas se considera isento.

O parlamento aprovou um estado de emergência cujas consequências levaram ao desemprego milhares de portugueses, sendo que uma parte muito significativa deles não vai conseguir recuperar o trabalho que garantia o seu sustento e o das suas famílias, esperando-os um futuro incerto e sombrio.

Milhares de pequenas e médias empresas tiveram que fechar portas, estando uma percentagem assustadora delas condenadas a nunca mais desenvolverem a sua actividade.

Aos estudantes foi negada a possibilidade de frequentarem o último período de aulas, fazendo com que muitos, por dificuldades económicas que lhes permitam um acesso facilitado à internet,   venham a ser confrontados com uma acentuada regressão nos seus conhecimentos.

Milhares de portugueses viram-se privados de se despedir dos seus entes queridos que partiram deste mundo, tendo, inclusive, sido impedidos de os visitar nos seus últimos dias de vida.

Aos crentes tem-lhes sido negado o direito que lhes assiste de comparecer em serviços religiosos, em particular durante uma quadra sagrada para os cristãos, como é a Páscoa, vendo-se, assim, privados de uma assistência espiritual, bem mais premente em tempos conturbados como aqueles que atravessamos.

Perante este cenário dantesco, os nossos deputados, ao invés de se preocuparem com a situação aflitiva em que se encontram milhares de famílias, estudando medidas adequadas que possam contribuir para minorar o seu sofrimento, preferem reunir-se para uma festarola, sob o pretexto de que uma data histórica não pode ser celebrada à posterior, e a que se juntam uma quantidade de convidados que, por pertencerem a um grupo de elevado risco, deveriam estar confinados às suas residências.

Não satisfeitos, levaram ao limite a sua incoerência ao autorizarem que se festeje, igualmente, o dia do trabalhador, ignorando ostensivamente os perigos eventualmente daí resultantes para a saúde pública.

Um católico não pode ir a Fátima, mas um comunista pode ir ao Marquês!

Sim, trata-se de uma permissão cujo destinatário é a central sindical comunista, porque a própria UGT, justiça lhe seja feita, teve o bom-senso de se demarcar desse embuste, renunciando a comemorações de rua.

Os deputados em vez de darem o exemplo, solidarizando-se com aqueles que os elegeram, optam antes por prevaricar, agindo precisamente ao contrário das restrições que eles próprios impuseram a toda a sociedade.

E porque vergonha é algo de que estão desprovidos por completo, daí ser uma palavra do desagrado de quem os preside, os parlamentares vêm argumentar que apenas marcarão presença na cerimónia um terço dos seus efectivos.

Curiosamente, o terço que tem participado nos trabalhos do plenário, sem que a ausência dos restantes dois terços se tenha constituído impeditiva para o normal funcionamento da instituição.

Prova-se, deste modo, que a casa das vaidades tem consumido verbas do erário em excesso, destinadas ao pagamento de salários, ou seja, três vezes mais do que as suas reais necessidades.

Mas, num ponto, dou razão ao presidente do parlamento, quando me acusa, a mim e a milhares de portugueses, de sermos saudosistas. Tem toda a razão, eu sou saudosista!

Tenho saudades dos tempos em que na cadeira em que ele se senta estavam pessoas de valor, educadas e sem telhados de vidro!

Tenho saudades dos tempos em pelo hemiciclo pontificavam deputados com uma vida profissional reconhecida e que, por isso, não concorriam a este órgão de soberania por necessidade imperiosa de conseguirem um emprego, mas sim movidos pela vontade de servir a Nação.

Tenho saudades dos tempos em que escutávamos parlamentares que se destacavam pela sabedoria e integridade, e que punham os superiores interesses da Pátria acima de quaisquer outros.

Tenho saudades dos tempos em que não se viam no Parlamento rapazolas mimados, que nunca fizeram nada na vida a não ser divertirem-se nos joguinhos das jotas, agremiações onde adquiriram o cartão partidário que lhes permitiu o acesso a uma carreira política, e que mais nada fazem a não ser contestar sistematicamente todos os valores e princípios que herdaram dos seus antepassados e que forem sendo transmitidos de geração em geração ao longo dos últimos milénios.

Em suma, sou saudosista porque tenho saudades de um parlamento que não me envergonhe!

 

Pedro Ochôa