Projetar a Esperança

Portugal, deve dizer-se, não alcançará sozinho o sucesso ou o fracasso dos desafios que lhe estão colocados. Eles só serão ultrapassados no quadro de um reforço da coesão e da solidariedade ao nível da União Europeia (UE) que, sejamos sinceros, ou reganha dinâmica institucional e solidez estratégica, ou continua nesta encruzilhada e pode sucumbir pela…

O Ano de 2020 – 46 anos depois da conquista da liberdade – fica para já marcado como o ano mais desafiante das nossas vidas.

Confinamento (mas que palavra!!!), isolamento, receio e, depois, saudade. Muita saudade.

Mas será tudo isto desafiante?

Não. Claro que não.

Desafiante é projetar a esperança.

E é disso que quero refletir, não sem antes manifestar a minha gratidão a todas e a todos os profissionais de saúde e a quem, tenho a certeza, estará a apostar na ciência e na investigação para a tão desejada vacina.

Hoje, agradeço penhoradamente a uns para agradecer amanhã a outros.

E a quem?

Tão simplesmente aos políticos e à política.

Sim, porque podem e devem ouvir-se especialistas das várias áreas, mas depois é a política que decide.

Não há como tornear a questão.

O respaldo político de que o governo tem beneficiado nesta fase, compreende-se pela natureza da emergência em que está o país.

É a adequada interpretação do interesse nacional, como muito bem tem sublinhado Rui Rio, numa inequívoca demonstração do seu sentido de Estado.

Mas após este período, virá a necessidade de regeneração económica e social (quando ocorrer) e aí ressaltarão certamente as divergências fundamentais do modelo e do método, numa confrontação democrática porventura até de natureza ideológica e programática.

Mas uma coisa é certa, não será mais possível tolerar desvios ao rigor e à verdade para se confundirem os cidadãos sobre a realidade, com interpretações pouco credíveis sobre se haverá ou não austeridade, com uns a fazer de políticos bons e outros de políticos maus.

A esperança não pode enquadrar ilusões. Só pode mesmo ser adquirida com realismo.

Portugal, deve dizer-se, não alcançará sozinho o sucesso ou o fracasso dos desafios que lhe estão colocados. Eles só serão ultrapassados no quadro de um reforço da coesão e da solidariedade ao nível da União Europeia (UE) que, sejamos sinceros, ou reganha dinâmica institucional e solidez estratégica, ou continua nesta encruzilhada e pode sucumbir pela negação do seu objeto e dos seus valores.

É justo referir-se que deu alguns sinais positivos (vale mais tarde que nunca!) mas, como já afirmei, em várias reuniões no Parlamento Europeu, são ainda pouco visíveis e muito menos sentidos.

Foi importante a medida de apoio temporária para proteger os trabalhadores europeus contra o risco de desemprego, bem como a iniciativa de investimento público europeu destinada a mobilizar 37 mil milhões de Euros nos Estados-Membros para os sistemas de saúde, apoiar as PME, os trabalhadores e os setores mais afetados. Igualmente importante foi a ativação da plena flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento, as novas regras que preveem uma maior flexibilidade para transferência de recursos entre fundos estruturais, bem como a taxa de cofinanciamento de 100% para os programas no âmbito da Política de Coesão.

E o que dizer para a Agricultura?

Aí, convenhamos, a ‘pobreza’ é maior.

Corredores verdes, flexibilização dos controlos, aumentar os prazos de adiantamentos, ou empréstimos para cobrir custos operacionais até 200 mil Euros, convenhamos é mesmo pouco!

Mas ainda mais inquietante foi a audição do Comissário da Agricultura, Janusz Wojciechowski, que mostrou uma total incapacidade de resposta positiva às necessidades do setor. Afirmou mesmo que a Comissão não tem meios para intervir.

Mas isso é preocupante, porque são urgentes medidas adicionais, destinadas a ajudar ao armazenamento e apoios excecionais aos setores (e são vários) mais afetados.

Não se encontrando o financiamento adequado, está a destruir-se o aparelho produtivo agroalimentar.

E isso é muito grave na medida em que constitui um aspeto importante de soberania e naturalmente de solidariedade.

Mas a verdade é só uma: ou há mais recursos financeiros (fresh money) para financiar um ambicioso Plano de Recuperação Económica que reestruture as prioridades europeias e dos Estados Membros, ou a Europa se afunda de crise em crise por incapacidade de produzir soluções adequadas.

De resto, lá como cá, em Bruxelas ou em Lisboa, é importante que cada vez mais se incorporem as lições que as crises de vária natureza têm trazido à nossa vida coletiva.

Entre nós, portugueses, conhecemos bem a história recente.

Quem afundou o país e quem o salvou para lhe projetar a esperança.

por Álvaro Amaro
Deputado europeu do PSD