“É preciso ter muito talento para envelhecer”

Simone divide-se entre a quietude destes dias e as preocupações com o futuro, relacionadas com o trabalho, se bem que pense mais no presente. A pandemia ensinou-lhe uma coisa: ainda é mais resiliente do que julgava.

“É preciso ter muito talento para envelhecer”

Ao atender o telefone, logo à primeira chamada, Simone de Oliveira solta uma gargalhada quando lhe dizemos ao que vamos: «Estamos a conversar com várias personalidades com mais de 65 anos, gostávamos de contar com o seu olhar sobre este momento. Não quer escrever um artigo de opinião?». «Encaixo-me perfeitamente nesse número, tenho muitos mais anos do que isso!», responde. «Mas, se não se importar, prefiro falar em vez de escrever». A conversa flui e o artigo transforma-se numa entrevista sobre estes dias, que Simone tem vivido com uma serenidade que não esperava. «Estou muito admirada comigo própria!».

Como têm sido os seus dias?

Olhe, acordo lá para as 9h30, tomo o pequeno-almoço, depois volto mais um pouco para a caminha, pelas 11h00 levanto-me, lavo a louça do pequeno-almoço e faço mais meia dúzia de coisas de casa. Entretanto é hora do telejornal, fico sempre um bocadinho assarapantada com as notícias, mas acho que é normal.

Vê as notícias todos os dias?

Todos, à tarde e à noite. Gosto de saber o que se passa e como se passa. Normalmente depois de almoço vou ler, que era uma coisa que não fazia há muito tempo. O primeiro livro que li nesta quarentena foi A Rainha Ginga, do Agualusa, depois li o Quarto Livro de Crónicas do Lobo Antunes e agora estou a ler O Prisioneiro do Céu , o Carlos Ruiz Zafón.

Como tem contactado com a família e amigos, rendeu-se às videochamadas?

Sim, sim. E também vou ao Facebook e vejo coisas, sobretudo de música. De vez em quando vejo um DVD, gosto muito do senhor Aznavour. Da parte da tarde dou a volta ao quarteirão, levo o meu cão.

Tem um cão?

É a minha bengala  [risos]. Dá-me imenso charme, a minha bengala de castão de prata, que me deram uns amigos quando fiz a Vila Faia. Uso-a desde que meti a prótese no joelho, no ano passado em março, e depois a da anca. Não foi nada agradável!

Mas ainda sai para o chamado passeio higiénico.

Sim. Moro num sítio onde não há trânsito e dou aqui a volta ao quarteirão, canto para aí três ou quatro cantigas para reavivar a memória [risos]. Entretanto já é mais ao menos fim da tarde, leio mais um bocadinho, faço a lista das compras. O meu filho faz o favor de me fazer as compras. Lavo o que for preciso, desinfeto a bengala [risos]. E depois sou uma boa assistente das telenovelas. Costumo falar com o Vítor de Sousa todas as noites, com o Carlos Quintas, com o Luís Madureira. Falo com a minha filha pelo WhatsApp, ela não mora em Portugal. Falo com o meu filho e os meus netos. Em cima das duas da manhã, vou para a cama.

Parece que está a viver isto com tranquilidade.

Não tenho neura nenhuma e também não lhe sei explicar por que estou assim. Eu própria estou muito admirada comigo, sinceramente, assim como os meus filhos. Porque eu vivo sozinha, tenho 82 anos, como toda a gente sabe. Mas estou apreensiva, é evidente. Estou preocupada com o que se passa no mundo e no país. Temos uma população envelhecida, da qual eu faço parte.

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