Praias. A realidade pós-pandemia

Irà praia, ato tão comum, passou a ser um novo desaio. E para o fazer no próximo verão há regras que têm de ser cumpridas.

Fatos de banho, toalha aos ombros, chinelos calçados. À vista dos meses estivais, ninguém ainda sabe muito bem como será possível repetir em 2020 o prazer de colocar um pé no manto de areia quente das praias portuguesas – ato tão simples, cíclico e maquinal, mas que como tantos outros a pandemia veio agora dificultar (e valorizar a dobrar).

O apego geral à normalidade, ainda que relativa, obrigou as autoridades a definirem novas regras para a época balnear deste ano. O setor do turismo, tantas vezes âncora e proa da economia nacional, trepou no último par de meses todos os degraus que a crise entretanto lhe foi erguendo: obstáculos de surpresa, expectativa e temor. O verão será o instante para agir. E caso a realidade não tropece em piores notícias, é certo que as praias portuguesas, cartão postal do país aquém e além fronteiras, vão novamente abrir, de norte a sul, aos turistas portugueses e estrangeiros. 

Mas como? É esta a pergunta que todos colocam, para já. Nada será como dantes, é certo – um clichê que se tornou real e se arrasta incómodo há tempo demais pelo quotidiano de todos nós. Haverá regras. E quem quiser voltar a olhar um horizonte sem paredes nem limites, líquido, azul e atlântico, terá mesmo de se sujeitar a cumpri-las. Por si e pelos outros, pois, desta vez, os raios de Sol não chegarão para limpar o rasto das trevas.

A praia não será como dantes

Até esta semana, corriam rumores de como seria ou, simplesmente, de como não poderia ser. Dúvidas e opiniões que corriam velozes como o vento; e algumas até tão leves como ele costuma ser. 

Em resposta aos apelos de operadores e empresários, várias entidades reuniram-se, discretas sob o ruído, e anunciaram a criação de um manual de procedimentos para o acesso às praias portuguesas. Um guia anticovid-19 que está a ser desenvolvido, em parceria, pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Marinha portuguesa, Instituto de Socorro a Náufragos (ISN) e Direção-Geral da Saúde (DGS), com a colaboração de outras pessoas e organizações.

O conjunto de regras é ainda desconhecido, mas sabe-se que vai imputar modelos de comportamento rígidos e incontornáveis a municípios, concessionários e banhistas. E que esses comportamentos serão assegurados através de uma vigilância permanente e ativa.

Antes de ser oficialmente divulgado – o que deverá ocorrer no dia 6 de maio, após a próxima reunião da Comissão de Acompanhamento das Águas Balneares – já se conhecem algumas das linhas mestras mais importantes do novo regulamento, a que todos devem atentar. O objetivo é o mesmo de sempre: garantir condições para evitar a propagação do contágio do novo coronavírus. As férias servem para isso mesmo: construir boas memórias.

Para começar, as praias vão ter um limite máximo de pessoas, levando ao seu encerramento quando o mesmo for ultrapassado. Ainda não se sabe muito bem como tudo será feito, mas, segundo o que já veio a público, cada praia será analisada e avaliada de acordo com as suas características. O número de lugares de estacionamento para automóveis poderá, eventualmente, e quando tal for possível, vir mesmo a servir como critério a ter em consideração. Mas outros estão ainda em cima da mesa. E tudo dependerá da dimensão da extensão e da largura de cada praia, de acordo com a preia-mar.

Lá dentro, já com os chapéus de sol e as toalhas dispostas pelo areal, os banhistas terão de reservar um espaço para si e para os seus, mantendo sempre uma distância mínima de segurança para os vizinhos do lado. As sombras terão também de ser tidas em conta. Nem muito, nem pouco, pois, segundo as autoridades, o distanciamento social continua a ser a melhor receita para travar o vírus e na praia isso não é (nem será) exceção. Nem no areal, nem no mar. Na hora de ir a banhos, para afugentar o calor, ou simplesmente regressar ao passado através de um chapinhar infantil, a regra deverá igualmente funcionar.

Nos cafés e restaurantes da praia, espaços de movimento e grande aglomeração de pessoas durante toda a época alta, deverá passar a ser obrigatório o uso de máscaras cirúrgicas, para além de todos os protocolos sanitários e de higiene previstos para espaços similares, em contexto urbano.

E nem os passadiços, os chuveiros, as gaivotas, os escorregas ou as espreguiçadeiras vão escapar ao controlo e a procedimentos de higiene mais apertados.

Vigilância apertada

Mas se colocar o regulamento no papel não parece, à partida, tarefa muito difícil, o mesmo talvez já não se poderá dizer sobre a sua aplicação prática. Praias há muitas, algumas até mesmo discretas nos mapas, embora oficialmente sejam aproximadamente sete centenas, entre marítimas e fluviais, localizadas no Continente e nas Regiões Autónomas.

Ao contrário dos anos anteriores, a época balnear só deverá arrancar a 1 de junho, e não em maio. Até lá, as medidas do estado de emergência deverão vigorar para as praias, pois na fase de retirar a «pressão da mola», expressão popularizada pelos mais altos responsáveis, há prioridades e, já se sabe, o trabalho vem sempre antes do lazer.

Quando se tem conhecimento, através dos ecos que nos rodeiam e se repetem diária e incessantemente, vindos do Governo, da DGS e da Organização Mundial de Saúde, de que vamos ter de conviver com o vírus num futuro imediato, e para lá do final deste ano, também se sabe que a principal tarefa do próximo verão será mesmo garantir que os banhistas não baixem a guarda em período de férias. Todos terão o direito ao descanso, à relativa e aparente normalidade, e também ao negócio, no caso de quem vive do turismo. Mas de uma forma diferente, que pressupõe bom senso e responsabilidade individual, de forma a que seja evitado um retrocesso e a aceleração das trágicas curvas que, de repente, substituíram a vulgar consulta matinal da meteorologia. 

Os nadadores-salvadores deverão assumir o papel de protagonistas. O ISN ainda não o confirmou, mas deverão ser estes homens e mulheres, de t-shirt amarela e calções vermelhos, a sensibilizar e assegurar que as regras definidas são cumpridas no interior das praias. Caso este cenário se confirme, as atenções destes profissionais passam a dividir-se entre a terra e o mar. Para tal, algumas coisas terão necessariamente de mudar. Atualmente, o ISN coloca dois nadadores-salvadores a cada cem metros de praia, um número notoriamente curto para as necessidades e que deverá levar ao reforço das equipas em permanência nas praias, durante toda a época balnear.

O acesso às praias, porém, deverá ser o grande desafio. Em algumas delas, é possível aceder através de entradas não convencionais, pelas dunas, por uma longa marginal ou até por outras praias contíguas. As autoridades querem impedir que isso suceda e, neste momento, está já a ser desenvolvido um plano que garanta o total controlo destes acessos e que deverá ser feito com recurso às forças de segurança. 

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora nacional do programa Bandeira Azul da Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE), Catarina Gonçalves, admitiu as dificuldades e as preocupações em relação a este tema. «Estamos muito preocupados com as frentes urbanas, porque não têm uma entrada e uma saída de uma praia. Todo o passeio marítimo, por exemplo, é uma entrada de praia, o que dificulta bastante a fiscalização», referiu a responsável.

Para evitar este e outros exemplos, as autoridades ponderam, em última instância, manter encerradas todas as praias não vigiadas durante a próxima época balnear. Caso tal se confirme, apenas as praias que contem com a presença permanente de polícias e nadadores-salvadores poderão ser frequentadas em 2020. E existirá um horário de abertura e encerramento.

Esta lista deverá ser conhecida no dia 15 de maio, apenas duas semanas antes da abertura da época balnear, quando a ABAE anunciar quais as praias que merecem a distinção de Bandeira Azul em território nacional. O encontro deverá ainda definir as que têm condições para, no atual contexto de pandemia, funcionarem de acordo com as novas regras.

Vá para fora… cá dentro

O slogan tem barbas, mas agora tudo se conjuga para, mais que nunca, ser levado a sério. Perante as certezas dos especialistas sobre a presença do vírus entre nós, até ao desenvolvimento de uma vacina eficaz – previsivelmente apenas na primeira metade de 2021 -, e o ressurgimento de uma crise económica e social na sequência da pandemia e da suspensão de várias atividades, prevê-se uma contração dos turistas na marcação de viagens e reservas. A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já avisou os europeus numa entrevista ao jornal alemão Bild que ainda não é tempo de se pensarem em férias. «Eu aconselharia toda a gente a esperar antes de fazer planos de férias», pois, neste momento, «ninguém consegue fazer previsões confiáveis para julho e agosto», afirmou. Declarações que fizeram disparar os alarmes do setor, em particular na região do Algarve onde milhares de profissionais ligados ao setor esperam (e desesperam) pelo retomar das suas atividades. Só os meses junho, julho e agosto poderão salvar, ou pelo menos mitigar, as perdas somadas até aqui.

E até o o primeiro-ministro, António Costa, deu uma ajuda, pedindo aos portugueses que «não deixem de pensar nas férias de verão», uma vez que tal «seria um dano imenso» para a economia portuguesa. «Quero crer que até ao verão a situação estará suficientemente controlada para podermos ter as férias e para as podermos gozar o melhor possível», afirmou António Costa, deixando um conselho aos portugueses: «Planeiem as férias cá dentro porque estamos sempre mais seguros cá dentro nesta fase e menos sujeitos à incerteza». 

Uma opinião que é, obviamente, partilhada por Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). «Na estação alta, o mercado interno já representava um papel muito importante, mas este ano será ainda mais determinante», refere o responsável. O Algarve, com as suas praias (premiadas internacionalmente) sempre tão cheias de turistas estrangeiros, deverá este ano ver as viagens e as reservas oriundas do mercado externo caírem a pique, numa fase em que a maioria dos voos ainda continua suspensa e a morte, o desemprego e o desespero se alastram pela Europa e Estados Unidos.

O empresário confessa que «todo o setor, empresas e empresários, se encontram numa fase de grande indecisão», mas também com muita vontade de regressar ao ativo. «A intenção é exatamente essa: reabrir os hotéis o mais rapidamente possível», refere Elidérico Viegas, notando que tal deverá ocorrer entre junho e julho. O presidente da AHETA afirma que no Algarve todos estão «empenhados em criar condições de segurança e higiene direcionados aos turistas» que possam «induzir confiança» àqueles que visitem a região nos próximos meses.

E quanto às novas regras para as praias? Elidérico Viegas não tem dúvidas: «Temos praias no Algarve suficientes, em quantidade e em tamanho, que permitem que se cumpram todas as regras de distanciamento social, se tal for necessário». «A situação das praias lotadas, tal como acontecia em agosto, terá, naturalmente, de ser revista, mas acredito que as pessoas vão estar disponíveis para respeitar as novas regras, desde que as mesmas sejam coerentes e sirvam para gerar maior segurança e confiança», afirma. «Tudo depende da atitude dos turistas», conclui. 

Em Itália já se fala em barreiras físicas 

Espanha e Itália atravessam um pesadelo. A frieza dos números não permite negar a quantidade inimaginável de mortos, vítimas da pandemia. As costas mediterrânicas dos dois países, sempre a abarrotar de turistas a cada época alta, preparam-se para viver um verão atípico, com menos gente e mais dor. Mas a natureza humana não deixa que o mundo pare de girar. Mesmo perante a realidade surgem ideias inovadoras. Uma empresa de Modena, no norte de Itália, criou um projeto para garantir a segurança das pessoas nas praias. A proposta consiste no fabrico e colocação de barreiras divisórias transparentes nos areais, dando espaço a uma família, respeitando a distância para os outros. Os módulos (ver imagem à esquerda) são suficientes para um guarda-sol e duas espreguiçadeiras