De olhos postos no Dragão

Acredito que o mundo vai voltar a viajar. Está no nosso ADN. Com mais ou menos cuidados, limitações ou restrições. Mais ano, menos ano, teremos os mesmos números. A língua dos que nos visitam, essa poderá sofrer variações.

Do que era, até há um par de meses, um cenário de futuro risonho, com o país a registar recordes atrás de recordes em matéria de receitas de turismo, número de hóspedes e de dormidas, levando até alguns a queixar-se de turistas a mais, passámos a uma realidade totalmente diferente. Hoje temos aviões parados no chão, hotéis, agências de viagens e restaurantes de portas fechadas, tuk-tuks arrumados nas garagens e uma paisagem estranha e tristemente bonita, porque deserta, pelas piores razões. As dores de crescimento que se faziam sentir, sobretudo nas principais cidades, deixaram de ser um desafio, a controvérsia do novo aeroporto ficou adiada, hoje há slots de sobra à espera de companhias, algumas das quais não voltarão a voar. Na ordem do dia está a sobrevivência de milhares de empresas e centenas de milhares de empregos num setor que, em finais de 2018, segundo o BdP, atingia um peso de 13,7% no PIB nacional.

Dizem alguns que esta dependência da indústria turística é excessiva e que Portugal vai sofrer mais, porque é esta também a atividade que mais tempo precisará para se recuperar. É verdade que vai demorar. Mas estes são provavelmente aqueles que diziam que tínhamos turistas a mais, mas que gostavam de usufruir de cidades mais bonitas, com mais oferta, mais e melhores restaurantes, lojas, cantos e recantos recuperados por cause. 
No turismo, temos um negócio sustentável, que se adequa na perfeição não só ao país, como à de todo este povo, célebre e reconhecidamente acolhedor. Enfim… já os conhecemos, ‘a Leste nada de novo’. 

Já no extremo Leste, ou extremo Oriente, temos muito a explorar. Hoje, a imagem da China que, tal como o nosso turismo, estava a ganhar crescente respeito da opinião pública, está injustamente a sofrer os efeitos da desinformação e da ignorância. Há mesmo quem chame ao SARS-CoV-2 o ‘vírus chinês’, e, ao fazê-lo, coloca 1,4 mil milhões de chineses sob o signo da desconfiança, levantando barreiras à saudável aproximação que vínhamos a vivenciar. Espero que impere o bom senso, pois ainda que existam críticas ao atraso com que as autoridades do gigante asiático revelaram o nascimento da agora pandemia, tal não deveria, obviamente, macular um povo que com quem nos relacionamos há meio milénio. Refiro em particular a China, porque, não só é o maior mercado emissor de turismo a nível mundial e no ano passado representou, para Portugal, 383.000 hóspedes, 602.000 dormidas e 225 milhões de euros em receitas, com crescimentos de 18,2%, 16,1% e 20,8% em relação ao ano transato, respetivamente, como também é, previsivelmente, um dos mercados que mais cedo vai recuperar e, consequentemente, mais rapidamente nos pode ajudar a recuperar. 

Com tudo isto não quero dizer que não nos preocupemos com os nossos principais mercados, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos, Itália, Países Baixos, Brasil… Claro que sim. Mas preocupa-me que coloquemos em causa aquele mercado que há apenas meia dúzia de anos era inexistente e que hoje ultrapassou já vários mercados europeus e que tem toda a pujança para vir a ocupar, mais depressa do que pensamos, um lugar mais acima no ranking dos nossos mercados emissores. Pessoalmente, acredito que o mundo vai voltar a viajar. Está no nosso ADN. Com mais ou menos cuidados, limitações ou restrições. Mais ano, menos ano, teremos os mesmos números. A língua dos que nos visitam, essa poderá sofrer variações. E devíamos manter os olhos postos no Dragão. Pelos bons motivos.

*Paulo Brehm, consultor