‘Please, call me Brad’

Apesar da incerteza, considero que somos uns privilegiados. Não temos reuniões de equipa às 09h00, não estamos todo o dia em frente ao computador e podemos desfrutar da família a tempo inteiro. Os nossos filhos têm sorte por estarmos sempre disponíveis.

por Filipa Moreira da Cruz
 

As férias da Páscoa estão a chegar ao fim. E que férias! Todos os dias parecem domingos de Inverno, longos e preguiçosos. Para tornar o cenário mais credível a temperatura baixou e a chuva tem-nos feito companhia. E temos tempo! Para contar histórias, jogar ao Cluedo e ao Monopoly, fazer puzzles, ouvir música, dançar na cozinha, ver filmes, comunicar com os amigos e a família, ler um livro com muitas páginas (ou vários livros fininhos), arrumar a casa (nunca esteve tão limpinha!). E, sobretudo, tempo para não fazer nada!

No entanto, nem tudo foi cor-de-rosa, para grande desgosto da Mathilde que fez desta cor o seu talismã. O Sébastien piorou: voltou a ter febre, cefaleias e dores musculares. O Stan ainda não recuperou e há semanas que não temos uma noite descansada. Acorda com febre, tosse, diarreia, náuseas… Há dias que faço compressas com chá de camomila e ‘lemongrass’ para atenuar a conjuntivite que se veio juntar à festa bacteriológica. Ele não tem vontade de comer porque ainda não recuperou o paladar nem o olfato. E agora comigo na cozinha, ainda menos.

O cozinheiro cá de casa nomeou-me sua substituta durante a convalescença que se espera rápida, para o bem dos nosso estômagos. Declaro aberta a temporada de sopas, saladas e bolos! Dediquei-me aos doces com afinco. Nostalgia dos tempos em família na casa de Alvalade. Eu e a minha filha preparamos madalenas, tarte de maçã, ‘petit gâteau au chocolat’, bolo de canela, ‘financiers’…

Certo fim de tarde, fomos surpreendidas por um fenómeno estranho. A cozinha estava a ser invadida por um exército de formigas e a Mathilde exclamou: «Sou tão boa pasteleira que nem as formigas resistem». Como se não bastasse, no dia seguinte, ia no corredor com uma taça de chá na mão e escorreguei, esquecendo-me que o chão ainda estava molhado. A queda foi tão aparatosa que fiquei imóvel, sem saber se rir ou chorar. A Mathilde foi a correr chamar o pai. Tinham os três que ajudar a levantar-me porque o hospital estava ‘infetado pelo coronavírus’.

Eu e o Sébastien fazemos parte dos milhões de franceses que não podem trabalhar em casa. Recebemos 70% do salário bruto e desconhecemos quando regressaremos à vida ativa. Nem sequer sei se o hotel onde trabalho vai abrir antes do Verão. Talvez tenha de mudar de área profissional, outra vez. Apesar da incerteza, considero que somos uns privilegiados. Não temos reuniões de equipa às 09h00, não estamos todo o dia em frente ao computador e podemos desfrutar da família a tempo inteiro. Os nossos filhos têm sorte por estarmos sempre disponíveis.

Tenho saudades do meu local de trabalho. Adoro os emblemáticos hotéis de luxo. A azáfama, os imprevistos, as exigências das estrelas de cinema, dos políticos, dos cantores e dos PDG de multinacionais. Estive no ‘front row’ de desfiles intermináveis de famosos portugueses e estrangeiros, de certo modo, iguais a todos nós. Alguns tornaram-se amigos e viram os meus filhos crescer, como M., antigo número 2 de Veolia Internacional. O cantor Mika ofereceu-me um CD autografado e dois bilhetes para o concerto em Paris ainda antes de ser mundialmente conhecido. Fiquei grávida quase ao mesmo tempo que a Carla Bruni e cruzamo-nos várias vezes barrigudas, nos corredores de um hotel parisiense. Ela muito mais glamorosa, claro! A Giulia nasceu três semanas depois da Mathilde. A sensibilidade de Jane Goodall enterneceu-me e guardo com carinho uma mini ‘gordita’ que me ofereceu o artista Botero.

A vida na cidade Luz proporcionou-me momentos inesquecíveis a nível pessoal e profissional. Foram mais de sete anos de aprendizagem, descobertas, formação, subidas e trambolhões. As amizades resistem ao tempo, à distância e, até mesmo, ao confinamento. O ‘Palace’ da Rive Gauche era especial, fora do comum. Tão diferente dos outros hotéis chiques da capital francesa. Mademoiselle Deneuve (a atriz Catherine Deneuve) vinha, todas as semanas, buscar o seu correio. Gérard (estava proibida de tratá-lo por Monsieur Depardieu!) fazia parte da casa e passava mais tempo connosco que no seu próprio domicílio, ao virar da esquina. Este gigante colossal é ainda mais espetacular ao vivo que nos filmes. Mas são a sua generosidade e simplicidade que nos impressionam. O seu melhor amigo, um aristocrata italiano dedicado ao teatro e à ópera vivia, durante todo o ano, no último andar do hotel e Gérard visitava-o regularmente.

Tenho que admitir que não foram os ricos judeus americanos, os vencedores dos prémios Nobel, os artistas e as modelos internacionais os que mais me marcaram. O encontro inesquecível ao longo do meu percurso profissional foi, sem dúvida, com o Brad Pitt. (Riam-se à vontade!). Vestido de jeans deslavados, uma t-shirt branca e calçado com ténis (ou terão sido botas) esfarrapados. Despenteado, com uma barba de três dias e aquele sorriso de eterno miúdo… Eu estava grávida do meu filho, o qual nasceu prematuramente uns dias depois. Talvez da emoção! Na altura, o ator perguntou-me se estava à espera de rapaz ou de rapariga e desejou-me «all the best». Mas pouco antes soltou a frase que me acariciou como uma brisa num dia de Verão: «Please, call me Brad».

A família e os amigos adoram os relatos das histórias dos famosos e agora dou por mim a partilhá-los com os meus filhos. O Stan já me propôs escrever um livro porque seria uma pena não registar estes momentos únicos, sobretudo porque estas histórias são irrepetíveis. Algum dia, quem sabe? O turismo pós covid-19 não será como antes, mas não penso nisso agora. Até lá, estas anedotas servem para nos esquecermos, por alguns instantes, da pandemia.