As crianças ‘não têm de manter distanciamento social, mas sim físico’

Depois do período de confinamento, as crianças vão sair à rua ‘com a segurança ou insegurança’ que sentiram durante a quarentena em casa. O ambiente familiar é fundamental para afastar os receios dos mais novos e, para a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, estes devem estar informados sobre a realidade. Além disso, é tempo de garantir a…

As crianças ‘não têm de manter distanciamento social, mas sim físico’

Em casa, as crianças sentem falta dos amigos e muitas querem regressar à escola, sobretudo, pelas interações sociais a que estavam habituadas. Mas há as que agora até estão melhores – é o caso das que tinham uma profunda dificuldade de adaptação à escola e alguns casos de hiperatividade. E quando voltarem à rua, as brincadeiras poderão ser diferentes, o distanciamento não pode ser esquecido, mas apenas o físico, não o social. Além disso, como as crianças não são todas iguais, haverá diferentes formas de reagir ao desconfinamento. 

Na maior parte das vezes, os comportamentos adotados pelos mais novos são o espelho do contexto que vivem em casa e, «os miúdos vão pôr o nariz fora de casa com a segurança ou insegurança que tiverem sentido neste momento de quarentena em casa». A explicação é dada ao SOL pela pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, que analisa o comportamento dos mais novos no contexto atual que se vive. E dá exemplos concretos: no caso de «pais muito medrosos, muito ansiosos, muito aflitos», que obrigam, constantemente, a tirar os sapatos e a lavar as mãos, «pode criar um ambiente que, com certeza, agrava os temores». As crianças têm inteligência emocional e isso não pode ser desvalorizado, nem deve ser esquecido. «E, se veem os pais muito aflitos, eles também ficam muito aflitos, por isso, é importante que os pais tenham isso em atenção e devem ter um ambiente, apesar de tudo, tranquilizante em casa». 

No entanto, a forma como as crianças vão reagir depende também do seu próprio temperamento. «Há miúdos que já podem estar receosos, porque já eram miúdos tímidos, ou miúdos medrosos ou miúdos que sentiam algumas dificuldades no relacionamento com os outros miúdos», acrescenta Ana Vasconcelos. E, nesta altura,  em que se pede muito aos pais, já que são a base de suporte emocional dos filhos, é preciso redobrar a atenção. Se as crianças forem emocionalmente mais frágeis, é preciso ter cuidado, «porque, na verdade, isto é uma situação que só o por o nariz na rua pode causar receios». 

Se tudo tiver corrido bem em casa, «em princípio eles ainda não têm aqueles pensamentos muito profundos, mais metafísicos, ou mais existenciais que têm por exemplo os miúdos adolescentes». 

Uma forma de quebrar a barreira do medo que algumas crianças podem sentir é, essencialmente, esclarecendo as suas dúvidas. Para esta pedopsiquiatra, é fundamental que os pais, utilizando palavras que os mais novos compreendam facilmente, «expliquem o que tudo isto quer dizer, o que é que quer dizer aquele valor 1,2, porque os miúdos percebem que, eventualmente, quanto menos as pessoas contaminarem os outros, mais garantias há para que as pessoas não apanhem a doença». Sentar-se com os filhos, ouvir as suas dúvidas, procurar na internet o que não sabem, ouvir as notícias para esclarecer as dúvidas, em conjunto, poderá ser um bom ponto de partida para desmistificar os receios das crianças e para lhes dar mais confiança. 

Além disso, os pais devem estar preparados em relação à situação de incerteza que se vive atualmente. Ou seja, «é importante que os pais não transmitam isso aos miúdos, mas os pais têm de saber viver com o imprevisível», explica Ana Vasconcelos. 

Existe ainda a questão do distanciamento social que pode, por momentos, transparecer a perda de relações. No entanto, diz Ana Vasconcelos, «não tem de haver distanciamento social, tem de haver é distanciamento físico, tem de haver muito mais aproximação social e a aproximação social tem de ser feita através das redes, da telescola, da relação com os amigos, de os próprios pais porem os miúdos a falar pelas redes uns com os outros, com a devida supervisão, claro». O toque e o cheiro, por exemplo, são elementos fundamentais e necessários, mas «a aproximação social faz-se através da aproximação afetiva e essa é feita pelo coração». 

Ana Vasconcelos tem dado as consultas habituais à distância e segue, sobretudo, crianças com autismo. E, neste contexto, explica, as crianças que, de um ponto de vista são mais frágeis, ou têm dificuldades de integração na escola, por exemplo, «no fundo, estão muito bem, porque têm os pais ao pé». «Muitos deles tinham dificuldades de adaptação à escola por vários motivos e sentem-se muito mais resguardados», explica. Além disso, a pedopsiquiatra avança que, «curiosamente, muitas das hiperatividades de que se fala aí são reações de dificuldade de adaptação ao meio escolar, porque os miúdos estão muito melhor e, em muitos casos, estão a deixar de tomar a Ritalina em casa porque não precisam».