Graça Freitas: “Desde que se começou a usar máscara as pessoas aproximam-se muito mais”

À frente da DGS na maior crise de saúde do nosso tempo, Graça Freitas diz que a falsa sensação de segurança das máscaras a preocupa. Recusa arrependimentos e diz que ‘não é tempo de remoer’. Tem saudades dos netos, o mais novo recém-nascido, e de abraçar a mãe, de 90 anos. Nas noites de insónia…

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Também se arrepende, como assumiu a ministra da Saúde, de a DGS não ter recomendado o uso de máscara social mais cedo?

Não tenho nenhum tipo de arrependimento, volto a dizer. Não é que seja casmurra que não sou. As medidas vão sendo tomadas à medida que há evidência e temos de nos alinhar com alguma coisa.

O argumento não acabou por ser o princípio da precaução em saúde pública, mais do que a evidência?

Mas para isso teve de haver alguma evidência. E mesmo assim ainda há algumas dúvidas, isto não é preto ou branco. Temos a convicção de que usar um método barreira, junto com as outras medidas, pode ser uma mais valia. Mas já assisti ao contrário. Antes de se usar máscara na rua, a maior parte das pessoas fazia tudo para não se cruzar com outros transeuntes. Desde que se começou a usar máscara as pessoas aproximam-se muito mais e isso para mim é extremamente preocupante porque uma máscara não é 100% eficaz. Usar máscara é um suplemento. Não podemos deixar de ter distância, de desinfetar superfícies, lavar as mãos.

Li esta semana sobre esta ideia de um novo contrato social em que se pede uma mudança de hábitos e um deles é bastante comum entre nós: ir trabalhar doente, constipado.

Sempre foi algo que tentei contrariar aqui na DGS. Quando uma pessoa entrava no elevador a fungar, a espirrar, aquele ‘ai estou tão constipada mas vim trabalhar’. A minha resposta foi sempre: ‘Pois mas não devia’. É totalmente desaconselhado. Quem está doente não deve ir trabalhar e se for deve usar máscara e ter distância.

Não fazia sentido usá-la também na gripe normal?

Culturalmente não estamos habituados e, ao contrário do que se pensa, muito poucos povos estão. Os japoneses talvez sejam quem mais as utiliza, a par da Coreia do Sul, e é interessante que usam a máscara com esse propósito: para não transmitirem doenças a ninguém, para proteger os outros. São novas aprendizagens. Outra coisa que fazemos muito sem pensar é ter pouco cuidado com mãos e daí o conselho para lavar frequentemente. Se tossir para o cotovelo faço bem, mas se depois for cruzar os braços e puser a mão no cotovelo, vai dar ao mesmo.

Tem sido apanhada em alguns momentos em que, apesar dos conselhos, faz o contrário. O que sente quando vê essas imagens?

Sinto que se até eu, que estou tão treinada, não sou perfeita, imagine as outras pessoas. E depois há algumas imagens menos benignas. Há uma que tenho visto que sou eu a falar baixinho com a ministra. Nessa altura não havia transmissão comunitária em Portugal. A probabilidade de eu ou a ministra estarmos infetadas era tão grande como a de nos cair um vaso em cima. Quem trabalha comigo sabe o quão obcecada sou com o distanciamento social. Pus umas tiras no chão do meu gabinete e quando passam para o meu lado mando logo para trás. Mas tenho a consciência de que é difícil. Mexia na cara imensas vezes para ajustar os óculos e agora tento mexer só de lado nas hastes. Acho que nunca mais toquei nos olhos e tinha muito esse tique, tirando quando os pinto de manhã. Risco zero não há, gente perfeita também não. Se eu cometo erros, o cidadão normal vai cometer mais. Não é criticar, é uma constatação.

Algumas críticas vão além desses exemplos. Rui Moreira chegou a dizer que não reconhecia autoridade à DGS.

Sei que há críticas, umas serão empoladas, outras terão razão de ser.

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